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Durante os quinze dias seguintes, ficamos juntos para o que desse e viesse. Ao acordar, decidimos ir de carona juntos para Nova York; ela seria minha garota na cidade. Previ incríveis complexidades com Dean, Marylou e todo mundo — uma temporada, uma nova temporada! Mas, primeiro, teríamos de trabalhar para juntar grana suficiente para a viagem. Terry estava disposta a cair fora, de uma vez por todas, com os vinte dólares que me restavam. Não gostei da idéia. E, como um estúpido, fiquei pensando no caso durante dois dias, enquanto líamos os classificados nos loucos jornais de L.A., que eu jamais havia visto em toda a minha vida, em bares e lanchonetes, até que esses vinte se reduziram à metade. Estávamos muito felizes no nosso pequeno quarto de hotel. No meio da noite, levantei-me porque não conseguia dormir, puxei o cobertor sobre o moreno ombro nu da gatinha e examinei a noite de L.A. Que noites, aquelas, brutais, abafadas e entrecortadas pelo lamento das sirenes! Na rua, bem em frente, havia confusão. Uma velha e desmantelada casa de cômodos, caindo aos pedaços, era palco de alguma espécie de tragédia. O camburão estava estacionado, e os ratos interrogavam um velho de cabelos grisalhos. Havia soluços. Eu podia ouvir tudo, os sons da rua se misturavam com o zumbido do neon do meu hotel. Nunca me senti tão deprimido em toda a minha vida. L.A. é a mais solitária e brutal de todas as cidades americanas. Em Nova York, fica frio como o diabo durante o inverno, mas nas ruas, em algum lugar, existe um doido sentimento de camaradagem. L.A. é uma selva.

A South Main Street, por onde Terry e eu perambulávamos comendo cachorros-quentes, era um fantástico carnaval de luzes e loucura. Policiais de coturno revistavam pessoas em praticamente cada esquina. As calçadas fervilhavam com as personagens mais maltrapilhas da nação — tudo isso sob aquelas suaves estrelas do sul da Califórnia, perdidas na aura escura desse enorme acampamento no deserto que L.A. realmente é. Podia-se sentir o cheiro de erva, de baseado, quer dizer, maconha, flutuando no ar, misturado com o odor de feijão, chili e cerveja. Aquele incrível e louco som de bop saía flutuando das cervejarias; o som embaralhava ainda mais aquela confusão de cowboys de todas as espécies e boogie-woogie dentro da noite americana. Todos se pareciam com Hassel. Negros muito loucos, com doidos bonés e cavanhaques, passavam às gargalhadas, depois vinham hipsters cabeludos e deprimidos, recém-saídos da Rota 66 de Nova York; e então velhos ratos do deserto, com suas mochilas, indo em direção a um banco de parque na Plaza; logo a seguir, pastores metodistas com as mangas arregaçadas, e um eventual garoto santo e naturalista de barba e sandália. Eu queria conhecer todos eles, conversar com todo mundo, mas Terry e eu estávamos ocupados demais, tentando arranjar uma grana juntos.
Fomos a Hollywood para tentar trabalhar numa farmácia, na esquina da Sunset com a Vine. Aquilo, sim, era uma esquina! Famílias enormes, vindas do interior, saltavam de seus calhambeques, e ficavam paradas na calçada implorando para vislumbrar alguma estrela do cinema; e a estrela do cinema jamais aparecia. Quando passava uma limusine, eles corriam ansiosamente até o meio-fio e se inclinavam para espiar: uma personagem de óculos escuros estava sentada lá dentro ao lado de uma loira coberta de jóias — Don Ameche! Don Ameche! — Não, George Murphy! George Murphy! — Andavam em círculos, olhando uns para os outros. Rapagões veados e gostosos, que tinham ido a Hollywood para serem cowboys do cinema, caminhavam por ali, alisando as sobrancelhas com a ponta molhada de seus dedos esnobes. As menininhas mais apetitosas e com a cabeça mais feita deste mundo cruzavam, vestindo slacks; tinham vindo para serem estrelas, acabavam nos drive-ins. Terry e eu tentamos arranjar emprego nos drive-ins. Não havia grana em lugar nenhum. O Hollywood Boulevard era um imenso e ruidoso frenesi de automóveis; pequenos acidentes ocorriam pelo menos uma vez por minuto; todos iam em direção à palmeira mais distante — e, além dela, só havia o deserto e o vazio. Garotões de Hollywood paravam em frente a restaurantes pretensiosos, discutindo, exatamente como os garotões de Nova York discutem na praia de Jacob, no Estado de Nova York, com a diferença de que vestiam ternos leves e usavam uma linguagem mais vulgar. Religiosos altos e cadavéricos tinham calafrios ao passar por ali. Gordas mulheres histéricas corriam pelo boulevard, para entrar na fila dos programas de auditório. Vi Jerry Colonna comprando um carro na Buick Motors; ele estava por trás de uma enorme vitrina espelhada, alisando o bigode. Terry e eu comemos numa lanchonete do centro da cidade, decorada para imitar uma caverna, com tetas metálicas jorrando por todos os lados, e enormes bundas impessoais de pedra pertencentes a estranhas divindades e ao bajulador Netuno. As pessoas engoliam refeições fúnebres entre as fontes; seus rostos pareciam verdes de marítima melancolia. Todos os policiais de L.A. pareciam elegantes gigolôs; obviamente tinham vindo a L.A. tentar a sorte no cinema. Todo mundo tinha vindo tentar a sorte no cinema, até mesmo eu. Terry e eu fomos finalmente reduzidos a tentar conseguir um emprego na South Main Street, entre balconistas vulgares e garçonetes que nem ligavam para sua própria vulgaridade, mas nem ali havia nada. Tínhamos ainda dez dólares.
— Vamos pegar minhas roupas na casa da mana e vamos de carona para Nova York — disse-me Terry. — Vamos lá, homem. Vamos nessa. Se você não tem ginga, eu lhe ensino a rebolar. — Essa última frase fazia parte de uma música que ela vivia cantando. Corremos até a casa da irmã dela, nas prateadas cabanas mexicanas, em algum lugar além da Alameda Avenue. Esperei num beco escuro, atrás de cozinhas mexicanas, porque sua irmã não devia me ver. Cães corriam ao redor. Lâmpadas pequenas iluminavam minúsculos becos de ratazanas. Podia ouvir Terry e a irmã discutindo sob a suave noite cálida. Estava preparado para o que desse e viesse.

On the road (pé na estrada) - Jack KerouacOnde histórias criam vida. Descubra agora