Capítulo 1

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HOJE EM DIA OLHO OS GAROTOS de 20 anos e acho que são pateticamente jovens, mal saídos das
tetas das mães, mas quando tinha 20 anos eu me considerava adulto. Era pai, havia lutado na
parede de escudos e odiava receber conselhos de qualquer pessoa. Resumindo: era arrogante,
imbecil e cabeça‐dura. Motivo pelo qual, depois da nossa vitória em Cynuit, fiz a coisa errada.

Havíamos lutado contra os dinamarqueses junto ao oceano, onde o rio sai do grande
pântano e o mar de Sæfern bate num litoral lamacento, e onde os havíamos derrotado. Tínhamos
realizado uma grande matança, e eu, Uhtred de Bebbanburg, fizera minha parte. Mais do que a
minha parte, já que no fim da batalha, quando o grande Ubba Lothbrokson, o mais temido líder
dinamarquês, havia penetrado em nossa parede de escudos com seu grande machado de guerra,
eu o enfrentei, derrotei e o enviei para se juntar ao einherjar, o exército de mortos que festejam e
copulam no palácio de cadáveres de Odin.

O que eu deveria ter feito então, o que Leofric me mandou fazer, era cavalgar a toda
velocidade até Exanceaster, onde Alfredo, rei dos saxões do oeste, estava sitiando Guthrum.
Deveria ter chegado tarde da noite, acordado o rei de seu sono e posto, aos pés de Alfredo, o
estandarte de batalha de Ubba com a imagem do corvo preto e o grande machado de guerra de
Ubba, ainda com uma crosta de sangue na lâmina. Deveria ter dado ao rei a boa notícia de que o
exército dinamarquês estava derrotado, que os poucos sobreviventes haviam ido para seus navios
com cabeças de dragão, que Wessex estava em segurança e que eu, Uhtred de Bebbanburg, havia
realizado todas essas coisas.

Em vez disso, fui encontrar minha mulher e meu filho.

Aos 20 anos eu preferia estar montando em Mildrith do que colhendo a recompensa da
minha sorte, e foi isso que fiz de errado, mas, olhando para trás, tenho poucos arrependimentos.
O destino é inexorável, e Mildrith, ainda que eu não tivesse desejado me casar com ela e pensasse
detestá‐la, era um belo animal para ser montado.

Assim, naquele fim de primavera do ano 877, passei o sábado cavalgando até Cridianton
em vez de ir até Alfredo. Levei vinte homens e prometi a Leofric que estaríamos em Exanceaster
ao meio‐dia do domingo e me certificaria de que Alfredo soubesse que havíamos ganhado sua
batalha e salvado seu reino.

- Odda, o Jovem, já deve estar lá - alertou Leofric. Leofric tinha quase o dobro da
minha idade, era um guerreiro endurecido por anos lutando contra os dinamarqueses. - Ouviu? - perguntou ele quando não falei nada. - Odda, o Jovem, já deve estar lá - repetiu -, e ele é
um merdinha que vai receber todo o crédito.

- A verdade não pode ser escondida - respondi altivo.

Leofric zombou disso. Era um brutamontes barbudo e atarracado que deveria ser
comandante da frota de Alfredo, mas não era bem‐nascido. E com relutância Alfredo me havia
concedido o controle dos 12 navios porque eu era ealdorman, um nobre, e era justo que um
homem bem‐nascido comandasse a frota dos saxões do oeste mesmo que fosse idiotice demais
confrontar a enorme quantidade de navios dinamarqueses que tinham vindo para a costa sul de
Wessex.

- Há ocasiões em que você é um earsling - resmungou Leofric. Um earsling era uma
coisa que havia caído do traseiro de uma criatura, e era um dos insultos prediletos de Leofric.
Éramos amigos.

- Veremos Alfredo amanhã - disse eu.

- E Odda, o Jovem, o viu hoje - reagiu Leofric com paciência. Odda, o Jovem, era filho
de Odda, o Velho, que tinha dado abrigo à minha mulher, e o filho não gostava de mim. Não
gostava de mim porque queria montar em Mildrith, motivo suficiente para não gostar de mim.
Além disso, como Leofric havia dito, era um merdinha, escorregadio e dissimulado, motivo
suficiente para eu não gostar dele.

O Cavaleiro Da Morte - Bernard Cornwell - Liv. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora