Prologue

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A aristocracia sempre dizia que moças da minha idade não devem sair de casa desacompanhadas do pai ou de algum homem da sua família para resguardá-la. Também, elas não deveriam andar pelas ruas da fria Londres, sem que estejam na parte de dentro do passeio. As donzelas deveriam sorrir o tempo todo, como se fossem felizes com sua vida, e estender a mão direita, ou a que estivesse mais longe do seu corpo, para que esta fosse beijada por um cortês cavalheiro. O olhar dele quase sempre era duvidoso, você nunca sabia se ele estava encantado em vê-la ou absorto em pensamentos perversos. A castidade era como se fosse um precioso tesouro e velada à sete chaves num lugar desconhecido, até mesmo da própria detentora dela e apenas era descoberta anos mais tarde, após o matrimônio arranjado. Um acordo entre famílias ricas para que os recém-casados gozem de uma vida plena e sem dificuldades.

Por falar em vida, a minha era resumida a brincar de casinha e a ajudar minha mãe a fazer, ou melhor, comandar os jantares suntuosos para o papai e meus irmãos. Para mim e para ela, isso era normal e como eu era a única filha de três filhos, eu fiquei com a pior parte das tarefas. Por um outro lado, ser a caçula é bom, já que sou a todo momento bajulada com mimos e zelos das "crises" superprotetoras do meu pai pelos meus avós e por esse motivo, os amo tanto.

Minha mãe sempre dizia que o papel da mulher era resguardar o lar e criar os filhos. Uma lição que Lady Sutton me ensinou desde quando eu era bem pequena. Acho que isso foi a primeira coisa que aprendi antes de eu sequer saber o meu próprio nome.

Nunca entendi porque isso tudo era assim. Nunca.

Todas as vezes em que eu perguntava, todos davam a mesma resposta:

"Você deve ser assim já que quando tiver a sua própria casa, terá que ser a esposa que o seu marido precisa. Deve pensar nele e na família que construir antes de pensar em seus próprios caprichos!"

E eu sempre assentia, porque se discutisse, levaria uma punição e das mais severas, como um apertão forte em meu braço, o que deixava marcas arroxeadas e perfeitas dos dedos grossos do papai em minha tez pálida.

Será que sempre vou ter que ser o exemplo de mulher que todos esperam que eu seja?

Por favor, alguém, qualquer um, me dê um sinal de que minha vida vai ser algo além disso. Por favor!

Anseio pela liberdade. Pela satisfação em fazer algo que eu realmente queira sem ninguém me deturpar com ideias fúteis de viver em sociedade.

Sinto com todo o meu coração que estou no lugar errado, com as pessoas erradas e mentes depravadas pelo conformismo.

Às vezes, me pergunto se pessoas que têm poder - não financeiro - moral, como a Rainha podem mudar essas visões de mundo. Há muito mais além dos que todos vêem, basta que se tornem sagazes o suficiente para enxergar a verdade por trás da crença. O mundo não é exatamente assim. Mulheres não são objetos.

Acredito que quem é digno é aquele que não se submete, aquele que não se curva ao mais forte. E eu, não quero ser súdita. Não quero ser débil. Não vou deixar que me tratem com escárnio.

Mas como?

Como mudarei tudo sendo tão pequena?

Deus, por favor! Por favor, me ajude! Não quero lutar contra a corrente sozinha, tenho medo de me afogar e não conseguir emergir.

O que poderei fazer? Como fazer? Mesmo que eu queira, é quase impossível estabelecer uma nova ordem social em pleno século XIX, onde tudo é metódico demais, certo demais! Cederei.

Vou deixar que os costumes me ceguem. É melhor assim. E assim será. 

SerenaOnde histórias criam vida. Descubra agora