Em 1968

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Em 1968

No início de 1968 aconteceu a ofensiva do Tet, o Ano Novo chinês, lançada pelo vietcong e pelas tropas do Vietnã do Norte, na Guerra do Vietnã em Janeiro.  

Ouvia-se falar no General Vo Nguyen Giap.  

Nos Estados Unidos o presidente era Lyndon Johnson. Iria sucedê-lo no ano seguinte Richard Nixon, vencedor das eleições daquele ano.  

Ainda nos Estados Unidos, começaram os protestos contra a Guerra do Vietnã.  

Em 5 de junho o Senador Robert F. Kennedy, 42 anos, era abatido por Sirhan B. Sirhan com três tiros calibre .22 no hotel Ambassador de Los Angeles onde comemorava a vitória nas primárias pelo Partido Democrata na Califórnia. A imagem dele deitado no chão, ainda vivo, rodeado pela sua comitiva, que, aflita, tentava em vão socorrê-lo, foi ao ar no noticiário das oito da noite. Robert Kennedy morreu no dia seguinte.  

Dois meses antes, em 4 de Abril, tinha morrido Martin Luther King Jr assassinado a tiros no terraço de um hotel em Memphis, Tennessee. Seu discurso famoso que começava com "I have a dream..." ecoa por aí até hoje.  

No primeiro semestre ocorreram passeatas de estudantes em Paris, clamando por mudanças no status quo.  

Na Tchecoslováquia aconteceu a Primavera de Praga, como ficou conhecido o sistema de governo de Alexander Dubcek, de cunho democrático, com relaxamento das normas rígidas que vigoravam na Cortina de Ferro. Mas em 20 de Agosto as tropas do Pacto de Varsóvia invadiram aquele país e esmagaram o governo democrata. Eu torcia para os Tchecos e seu ideal de liberdade. Mas ao mesmo tempo achava os tanques soviéticos umas máquinas com design de tirar o chapéu. Meu caderno andava cheio daqueles blindados desenhados com caneta Bic.  

No Brasil, depois de um incidente envolvendo o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, seguido de uma recusa do Congresso a uma solicitação sua, o governo baixou o AI-5 em Dezembro.  

Naquele ano ouvia-se o LP Flowers, que os Rolling Stones tinham lançado em 1967. Trazia na capa as fotos dos cinco, cada uma das fotos sobre uma haste de flor. Brian Jones é o segundo da direita para a esquerda. Também no ano anterior, os Beatles tinham lançado Sgt Peppers

Eu fiz quinze anos em Outubro.  

A nossa classe, uma das terceiras séries do ginásio, era à direita do T que se iniciava na portaria principal do Anhanguera, após o trecho central avarandado, passando em frente à cantina. Aí vinha um lance curto de escada de cerca de cinco degraus de cimento, e, passando uma porta alta, dupla, era tudo assoalhado, e havia uma sala à esquerda e outra à direita, uma em frente da outra. No fundo ficava uma escada de madeira montada em reverso que levava ao andar superior onde havia igualmente duas salas de aula. A nossa era à direita.  

Naquele ano, as lâmpadas daquela sala tinham queimado. Não sei por que foram deixando a troca para mais tarde. O fato é que logo de manhã quando a aula começava era um tanto escuro lá dentro.  

Ali por meados de Maio comecou a fazer um frio intenso que se estendeu ao longo de Junho e adiante. Meu pai e minha mãe me levaram à Clipper, no centro de São Paulo, e lá eu escolhi uma japona para mim. Era grossa, de lã, e ia quase até o joelho. Tinha um forro liso por dentro, muito aconchegante. Era muito bom assistir aula vestido com aquela japona. Ficava por cima do moleton do Anhanguera, que pedia água diante de temperaturas baixas. 

Denise estava na minha classe. No ano anterior ela tinha estado em outra classe. Era um ano mais velha do que eu. Tinha cabelos castanhos lisos longos. Suas pernas eram bonitas. Usava saia curta mas não demais. Tinha um jeito gracioso de andar. O rosto era bonito, a voz era rouca. Era calma, segura de si, cheia de savoir faire. O gosto da saliva dela, mais o cheiro da respiração e do cabelo, tinha o cheiro igual ao do capim seco ao sol, depois guardado no celeiro. 

Foi com ela o meu primeiro beijo. 

- Você vai então? - ela disse. 

- Eu vou. 

- Vai sim - insistiu - Sabe aonde é? 

- Não sei. 

Ela sorriu. Não dava importância alguma à minha timidez, que por sinal estava desaparecendo.  

- Espera, eu vou te explicar - e passou a ensinar o caminho até uma casa onde naquela noite iria ter um baile.  

- Você entendeu? - ela perguntou. 

- Entendi.  

- Falta o número da casa. Não sei de cor. Está marcado aqui. Espera um instante.  

Escreveu o endereço.  

Seu esmalte era branco.  

- Olha, caso você - ela disse sem conseguir concluir. Olhou para mim atentamente, eu tinha colocado os braços em volta dela. Me aproximei dos lábios e beijei na boca, bastante. Depois de novo e de novo.  

- Se eu chegar antes, te espero perto da entrada - ela disse depois, olhando para mim demoradamente, a voz mais baixa - Se você chegar antes... 

- Eu espero você - eu disse das nuvens. 

No caminho de casa eu quase não sentia o chão da calçada. A impressão do rosto dela junto ao meu, ia e vinha, sobrepondo-se à rua. A boca, a respiração. Uma sensação de êxtase nunca sentida.

Em 1968Onde histórias criam vida. Descubra agora