Capítulo 4 - Do outro lado da ponte

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Embora o desânimo continuasse sendo o meu maior companheiro durante as férias, decidi acompanhar minha mãe quando ela foi fazer a minha matrícula na escola nova. Se era para mudar radicalmente de vida, então que, pelo menos, eu pudesse me preparar para isso. Talvez fosse ilusório, mas eu gostava de acreditar que me preparar para uma grande queda tornava a queda em si menos dolorosa. Um impacto que te pega desprevenido é sempre um impacto mais difícil de se recuperar. Meu estado emocional debilitado que o diga.

De carro, levamos em torno de 3 minutos para chegar ao Colégio Bennett. Ele ficava em uma espécie de centro comercial bem ao lado do condomínio de Dario. Para a minha surpresa, não era um daqueles colégios exacerbadamente ricos que se pode esperar de qualquer estabelecimento no coração na Barra da Tijuca. Pelo contrário: apesar da mensalidade nada barata, era um colégio quase comum. O prédio, cinza e azul. Algumas plantas ficavam próximas ao portão de entrada. Banquinhos, muitos banquinhos, uma quadra, uma piscina coberta, dois pátios e uma escadinha que dava para o refeitório, em um nível mais baixo que o resto. Lá em cima, em um dos inúmeros corredores, bisbilhotei as salas e percebi que as cadeiras também não pareciam muito novas. Nada parecia muito novo, aliás. Nada resplandescente, estrondoso, imponente, como eram as casas do condomínio de Dario. Como me parecia ser tudo nesse bairro onde a vida era uma eterna competição pelo título de mais impecável.

Fiquei feliz com isso, na verdade. Era um colégio, de certa forma, próximo ao meu antigo. Dizer que era aconchegante seria um pouco demais, mas parecia, enfim, receptivo. É claro que eu estava andando por aqueles espaços enquanto eles estavam vazios, com um ou outro funcionário passando e largando um bom dia simpático nos nossos ouvidos. Certamente, seria diferente com os alunos lá. Certamente, pareceria mais com uma selva - como costumam parecer os colégios de ensino médio. Inclusive, o Colégio Integrado, onde eu estudara em Niterói. Por mais que fosse, hoje em dia, um lugar familiar cujos espaços eu já dominava, não dá para fingir que eu era exatamente um peixe dentro d'água por lá. Não dá para fingir que eu sou um peixe dentro d'água em qualquer lugar. Ao menos, não nos últimos seis anos. Seis anos me debatendo como um peixe que acidentalmente caiu para fora do aquário e observa esse mundo que não parece nada familiar e nada convidativo.

Mas, pelo menos, por lá eu tinha a Tita - o que era algum conforto - e as pessoas, em geral, não me incomodavam. Era como uma espécie de acordo tácito. Desde a morte do meu pai, os professores me liberavam de muitas atividades desagradáveis, devido às circunstâncias. Era a expressão mágica para me safar de praticamente qualquer situação que eu não gostaria de atravessar. Devido às circunstâncias, não me sinto pronta. Devido às circunstâncias, não me sinto confortável. Devido às circunstâncias, preferia não participar. Rápido e prático. Sem maiores explicações. Ninguém questiona nada quando você tem 10 anos e acaba de perder seu pai.

Com o tempo, no entanto, vai perdendo um pouco o efeito. Meio constrangidas, as pessoas vão dando sinais de que o seu tempo aceitável de luto já acabou. A cota de tristeza já foi ultrapassada. Vamos voltando às obrigatoriedades e consequências, embora ainda sobre no ar aquele receio generalizado de abordar o assunto morte quando você está por perto. O mundo pisa em ovos quando você está por perto. Como se você tivesse sido atropelado por um caminhão e, mesmo tempos depois, as pessoas ainda encostassem no seu corpo com extremo cuidado, com medo de, sem querer, esbarrar em um hematoma. Ninguém sabe onde estão os hematomas. Então, por via das dúvidas, é sempre melhor manter uma distância segura. Devido às circunstâncias.

Por um momento, penso que gostaria que a notícia se espalhasse rapidamente entre os alunos daqui e eu pudesse ser, mais uma vez, a menina-que-perdeu-o-pai-em-um-trágico-acidente-e-por-isso-não-deve-ser-incomodada. Me tornaria invisível, mais uma vez. Confortavelmente invisível.

Quase sem quererOnde histórias criam vida. Descubra agora