Fechou os olhos e começou a rezar. Estendeu suas mãos sobre um livro que julgava tão importante quanto a vida miserável que levava naquela pequena cidade do sertão, um lugar qualquer que de tão horrendo já apagara de sua memória havia anos. Em todas as manhãs estava ali, uma grande capela da pequena cidade, onde havia alguns assentos e uma grande escultura antiga, sem face, onde fazia suas preces. E todos os dias era a mesma situação.
Abriu-se a porta em um estrondo e entrou por ela um homem velho e esguio, com a pele visivelmente castigada pelo forte sol da região. Puxou de seu coldre um trinta e oito enferrujado e seguiu em passos lentos carregando-o, sem pressa. Pisadas pesadas que estremeciam o local a cada metro que o velho se aproximava do homem.
O homem permaneceu estático, rezando. Os passos pararam, a arma foi engatilhada e apontada para sua nuca. Podia sentir a ponta fúnebre e gélida daquele revólver, mas manteve-se firme em sua posição, respirou fundo e suspirou devagar.
- Eu não sei se devo te julgar como morte ou liberdade. - O homem abriu os olhos e fitou de frente o velho que aparentemente esboçava um sorriso.
- Morte? Não. Liberdade? Também não, John. Você sabe que não tem sofrimento maior do que sua mente, do que você faz a si. Acho que ela te deixou em minhas mãos, John. - Uma risada ecoou na capela, rasgando todo o local.
- Se ela tivesse me deixado, eu já teria meu passaporte para o inferno, certo? - John buscou em seu bolso um cigarro e levou a boca, retirou seu isqueiro do mesmo bolso e acendeu o seu último Marlboro e deu uma longa tragada.
- Ainda com essa péssima mania, John? Um dia isso ainda vai te matar... - O cigarro apagou-se imediatamente ao terminar da frase do velho homem, que levantou as mãos demonstrando não ter culpa, retornando o revólver a seu coldre.
- A morte deve ser mais serena do que essa vida, Bel... - John sorriu gentilmente para o velho, que respondeu ao sorriso cerrando os punhos e rangendo os dentes.
- Você sabe que me deve respeito, John? Sabe o que pode ocorrer contigo, velho amigo?
A temperatura do recinto aumento rapidamente, o ar ficou seco. O velho deu um passo à frente e segurou John pelo pescoço, apenas com uma mão levantou o homem, que se debateu tentando se livrar das garras do macróbio homem.
- Eu não lhe devo respeito enquanto tiver ela a me proteger, seu imundo. - John levou sua mão a seu bolso e agarrou um pequeno pingente, levou a sua boca, deu-lhe um beijo e pressionou o mesmo contra a testa do velho homem, que lhe soltou imediatamente.
A temperatura do ar abaixou repentinamente, o homem cambaleou, ajoelhou-se em frente a John e gritou. Um grito de horror misturado a sofrimento, a muita dor. Pouco a pouco começou a se desintegrar, se transformava em um tipo de cinzas negras e pesadas que foi sugada para fora da capela na mesma intensidade que o velho adentrou ao local.
John abriu os olhos. Estava em frente a escultura de Nossa Senhora Aparecida e terminara suas preces. Gotas de suor escorriam de sua testa lentamente. Virou e caminhou para a saída. Abriu a porta da capela e o sol mantinha-se no alto do céu, sem nuvens. Imaginava até quando fecharia os olhos e entraria em conflito com seu anjo caído em sua mente conturbada.
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John
Short StoryUm pequeno relato das conturbadas inércias criadas pela mente de um homem cujo único mal que lhe atormenta é justamente seu subconsciente brincando com sua fé.