1. O Caos no Norte

31 4 18
                                    

Era noite. A lua azulada projetava sobre o mundo uma luz tão tênue que pouco se destacava no breu noturno. O silêncio imperava em Kortree como se nenhum animal fizesse da floresta ancestral sua morada. Ou soubessem o que estava por vir.
E, de repente, elas apareceram.
Sem emitir um único ruído, mover uma única folha, as Bestas emergiram das árvores da Floresta Mãe. No primeiro segundo surgiu a primeira: um monstro bípede e com braços longos, humanoide, de epiderme escurecida com uma textura entre couro e escamas, e músculos saltados e desenvolvidos num nível assustador. Media entre dois e três metros, e, no topo do corpanzil, despontava uma cabeça irregular e larga, careca, de maxilar protuberante, orelhas pontiagudas, com lábios secos cortando as bochechas, dentes semicerrados e pequenos olhos de órbitas negras.
No segundo seguinte, apareceram mais dois semelhantes. E no terceiro, somavam dez.
Dez Makes, monstros selvagens cujas únicas razões de viver eram matar e pilhar.
Cinquenta metros de descampado separavam as Bestas e a floresta do alvo: os muros levemente inclinados da frente de um dos Acampamentos Fortificados, pertencentes à raça Kane.
No topo das estruturas defensivas, oficiais berravam chacoalhando os sinos de alarme e esbravejando ordens para os arqueiros nas ameias, que já pousavam flechas nas cordas e faziam mira.
Abaixo, no interior da fortificação, um jovem ordenava com voz firme que os soldados despertassem para a luta.
O Senhor Comandante da Primeira Fronteira, Erik Clark, à época, com surpreendentes vinte e dois anos de idade.
Seus olhos eram castanho-claros e vivos, sérios e atenciosos como os de um verdadeiro lobo, e os cabelos, negros e pouco volumosos, estavam desgrenhados pela situação apressada. Erik era alto, magro, mas de físico forte, escondido sob uma espécie de sobretudo entreaberto, longo e preto, de mangas até os pulsos e capuz atrás da nuca. Abaixo da veste comprida, camisa cinza escuro e calças negras. Nas extremidades, botas escuras e manoplas metálico-prateadas por cima do tecido para o uso de suas espadas de laminas retas e gume duplo afiadíssimo: as Presas.
Em pouco tempo, os Kanes se reuniram no pátio maior do acampamento. Eles falavam alto, corriam, e suas sombras projetadas pelas tochas e piras rodopiavam e dançavam pelo plano. Ao longe, ecoavam as ordens para os arqueiros e os distantes urros dos monstros, já aos pés das barreiras.
Erik, com auxílio de seus oficiais encarregados, organizou todos para a defesa da pequena fortaleza. Choviam perguntas das quais ele não fazia ideia das respostas; sabia apenas que uma dezena de Makes atacavam pelo Norte e, como maior defensor das fronteiras do território Kane, o rapaz precisava erradicá-los a todo custo. Já como as Bestas chegaram até aquele ponto, sabendo-se que teriam que cruzar incontáveis quilômetros de uma ponta a outra da floresta, ou seus objetivos com aquilo, eram algumas das incógnitas.
- Saída pelo portão Sul, vamos dar a volta e pegá-los pelos flancos! -Instruía aos soldados, que prendiam placas de metal ao corpo. Dentre os tipos de armadura utilizados pelos Kanes, que variavam dentre os conjuntos pesados e completos até os mais leves, os guerreiros escolheram algo voltado para a segunda opção, mais apta ao combate ligeiro; ante a força esmagadora dos Makes, pouco importava a dureza do metal.
- Sim, comandante! - Respondiam os mais corajosos e, diga-se de passagem, mais experientes. Os soldados mais novos se mantinham em silêncio absoluto. Erik, com seus sentidos caninos afiados, conseguia sentir o cheiro do medo emanando de seus corpos.
Kanes tinham uma forte ligação com a natureza, assumindo por milênios a posição de guardiões da Floresta Mãe. Conseguiam manipular os elementos naturais, tendo cada Lobo um tipo de área de dominação. Eram chamados de Lobos pelo fato de terem o dom de transmutar seus corpos, ganhando a forma de canídeos gigantes, velozes e vorazes. Seus sentidos e instintos já eram naturalmente bem apurados, sendo grandemente potencializados ao entrarem na segunda forma.
Mesmo assim, ninguém sentiu a aproximação dos Makes até estarem perigosamente perto.
As armas, espadas, lanças e escudos redondos, eram repassadas e distribuídas entre si pelo próprio grupo até todos estarem prontos.
- As Montarias já aguardam no portão, vamos! - O comandante informou, passando por todos a passos largos. As mãos já pousavam sobre os punhos das espadas na cintura. Então começou a correr- Quem matar o primeiro Make poderá voltar para casa mais cedo! Para fora, agora!

CAÇADAS - A Caça aos MakesOnde histórias criam vida. Descubra agora