2. Na Espreita.

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Era estranho, após tanta gritaria e correria, não se ouvir absolutamente nada. Ou então, após tanta tensão, restar apenas o suspense da falsa calmaria. A floresta se fazia de cínica, sem deixar escapar um único ruído para dar a impressão de que nada diferente acontecera nem aconteceria a noite inteira.
Algumas passadas rápidas e o sexteto Kane já cruzara a centena de metros entre acampamento e floresta, sendo engolido pelo breu e pelas árvores, que passavam por eles como vultos.
Nenhum dos lobos ali tinha a patente de Corredor à toa. Por mais que seus sentidos não fossem tão aguçados quanto os Caçadores, nem fossem tão brutais e fortes quanto os Guerreiros, a velocidade de suas patas, assim como o senso de direção e os reflexos, detinham níveis altíssimos e invejáveis. No escuro noturno, conseguiam enxergar tão bem como se fosse dia.
- Alguém tem ideia de onde surgiram esses Makes? - Uma voz, de tom pouco mais elevado que o normal, irrompeu de repente em meio ao silêncio: era Meincy. Após alguns segundos sem resposta, ele continuou: - Comandante?
- Feras espreitam no escuro, Meincy. - Retorquiu uma Kane mais atrás do grupo, de cabelos longos e de tom castanho, presos numa espécie de trança longa, agitada pela correria. - Melhor fechar essa boca para evitar mais problemas.
- Não faço ideia, Meincy. - Erik respondeu com seriedade, na dianteira da pequena formação em ponta de flecha, sem parecer dar a mínima para a Kane. - De onde ou como vieram. Tem algum palpite?
- Infelizmente, não, senhor. Para falar a verdade, ainda não estou acreditando muito no que está acontecendo...
- Ah. Então escute Agatha. Cale a boca.
O rapaz sequer olhou para trás, mas assim Meincy fez e o silêncio retornou, vindo com ele a inquietude do grupo.
"Para quê ser tão duro?" A voz na mente do rapaz quis logo saber. "Ele está tão tenso quanto você."
- Ele pode estar se cagando, mas não deixa escapar esse cheiro horrível. - Erik respondeu com um tom de desprezo na voz. - Esse é o problema.
"Ah, sim. São os dois novatos, não são?"
Pouco mais atrás, vindo por último na cara formação, dois guerreiros Kanes mais jovens acompanhavam o grupo. Eles vasculhavam os arredores com olhos inquietos e bem abertos, movendo suas cabeças com inquietude. As mãos de ambos tremiam, suadas, agarradas nas empunhaduras de apoio das selas gigantes até os dedos ficarem esbranquiçados.
- Obviamente. Você sabe o quanto esse cheiro é perigoso, e ainda mais quanto eu o odeio.
"Eu sei, mas...", a voz tentou.
- Corredores com medo de uma perseguição, parece até piada.
"Ei!", a voz tentou outra vez, discretamente indignada. "É claro que estão com medo: temos Makes invadindo nosso território! Eles têm praticamente sua idade, por que está cobrando tanto?"
- Não é questão de cobrar tanto. Mas eles são Lobos de Fronteira. É errado eu esperar um mínimo que seja não se borrar inteiro?
"Não está tão podre assim, Erik."
- Está o bastante.
"Esqueci que você está ficando reclamão como a mamãe. E piora quando fica nervoso."
O comandante ergueu a voz:
- Erina, se você continuar a dizer isso, eu vou... - E de repente engasgou de susto.
As palavras correram da garganta de Erik ao passo que uma sensação gritante de perigo socou seu peito. Uma presença terrível surgiu no ambiente, sentira ele. Os lobos latiram em uníssono, em alerta, mas de nada adiantou.
Dois segundos depois, árvores literalmente explodiram à direita do grupo, e um gigante emergiu delas, montado num segundo monstro igualmente enorme.
Era um Make agarrado em uma espécie de animal negro, híbrido entre iguana e rinoceronte. Suas patas se mexiam ligeiras e descontroladas como as de um lagarto, e a cauda extensa e laminada ao final do corpo movia-se freneticamente como um chicote, açoitando árvores próximas. Um chifre despontava do meio da cabeça de rinoceronte, a língua reptiliana longa e pontiaguda escapava pelo canto da boca a salivar, e os olhos coléricos, vermelhos como fogo, miravam os lobos.
Já a Besta que vinha acima seria o maior Make que Erik veria aquela noite. Trajava uma espécie de armadura, que revestia poucas partes do corpo grotesco, até então algo inédito para todos da formação Kane, fossem experientes ou não.
Os rapazes mais atrás deixaram escapar os gritos de pavor presos na ponta da língua, e o fedor do medo alastrou-se definitivamente. Meincy, Agatha e uma terceira Kane, em completo silêncio até então, apertaram os punhos das selas e inclinaram-se sobre seus lobos, olhando para frente, mirando diretamente as costas de seu líder.
- Às Ordens, senhor! - Avisaram, quase em uníssono.
Observando tudo por cima do ombro esquerdo, o Senhor Comandante arrancara com a mão canhota uma Presa da bainha logo no primeiro segundo após a aparição da Besta.
- Lobos, evasão! - Ordenou com a voz firme, alinhando todo o corpo sobre sua Montaria, quase deitando-se sobre ela. Os lobos obedeceram de imediato, acelerando e afastando-se uns dos outros. O lagarto híbrido movimentava a cabeça freneticamente e suas patas beiravam o desgoverno, como se ele quisesse perseguir todos os Kanes ao mesmo tempo, sem conseguir firmar um alvo fixo. Mais insano ainda, o Make apenas assistia com um sorriso largo rasgando o rosto.
Sorria por ver que estava se aproximando cada vez mais de suas vítimas. Porém, só perceberia que era justamente essa a intenção quando fosse tarde demais.

CAÇADAS - A Caça aos MakesOnde histórias criam vida. Descubra agora