— Alô, mãe?
— Oi, filha, pensei que iria demorar mais pra ligar. Achei que o avião deveria pousar em algumas horas.
— É, eu sei...
— Mas me conta, como você está? Chegou bem? O voo foi tranquilo?
— Ainda não cheguei, mãe, mas precisava te ligar.
— Você está bem, minha filha? O que aconteceu contigo?
— Mãe, promete que não vai surtar? Eu já estou nervosa o suficiente e achei que a senhora era a única pessoa que poderia me acalmar.
— Pela Glória do nosso Senhor Jesus Cristo! O que foi, menina, tá passando mal?
— Acho que um pouco, mãe. Não sei. Não tô muito bem.
— Que barulho é esse, onde você está?
— Vim pro banheiro do avião, pra tentar ter um minuto de paz.
— Seu pai perguntou por você.
— Ele tá aí?
— Não, ele deu uma saída.
— Menos mal.
— Menos mal por quê? Você está me deixando nervosa!
— Desculpa, mãe...
— Não precisa se desculpar, só me conta o que está acontecendo.
— Mãe... Lembra daquela vez que fomos ao Playcenter? Eu estava morrendo de medo e a senhora me falou que quanto mais calma eu estivesse, mais fácil seria enfrentar os meus medos. Eu devia ter o quê? Sete ou oito anos. Mas é incrível como essas palavras surgiram na minha cabeça hoje como se eu estivesse lá, ouvindo a senhora falar.
— Eu lembro disso. Não dessa forma, mas lembro de ter falado algo do tipo pra você.
— É... é engraçado. Lembrar de todas as pequenas coisas que aconteceram. Todos os momentos que estivemos juntas.
— Você bebeu, criatura?
— Não...
— Marisa?
— Oi, mãe.
— Achei que tinha caído a ligação.
— Não, eu tô aqui. Vou ficar bem.
— Promete?
— Acho que sim.
— Filha, que barulho foi esse?
— Mãe... O piloto acabou de avisar que os instrumentos de localização pararam de funcionar e que estamos perdidos...
— Isso não é brincadeira que se faça!
— Não estou brincando.
— Ai meu Deus!
— Mãe, tenta ficar calma comigo, tá? De repente ele se acha. Eu só não quero que entre em pânico, porque estou tentando ao máximo me manter calma. Eu... eu te liguei porque me acalma conversar com a senhora e se essas forem as minhas últimas horas, quero ficar com a senhora.
— Marisa...
— Tô aqui, mãe.
— Você era um bebê muito inquieto, você sabia disso? Toda noite você acordava chorando e nada que eu fizesse era suficiente pra te acalmar. Até que descobri o segredo.
— A senhora cantou, né?
— É. Eu cantava enquanto acariciava a sua cabeça. Parecia mágica, era só eu começar a cantarolar que você parava.
— Eu te amo, mãe.
— Eu também te amo, filha.
— Mãe, eu queria dizer que fui eu.
— Você o quê, menina?
— No Natal, lembra? O vestido da Luiza, quando a gente era criança. Eu estava tão brava que rasguei ele. Eu não sei porque estou lembrando dessas coisas agora, mas eu queria me desculpar com ela. A senhora fala pra ela?
— Você mesma vai poder falar.
— Talvez... Mas promete que vai falar?
— Para com isso. Logo, logo, o seu avião vai pousar.
— Espera aí, mãe.
— Filha?
— Oi, tô aqui.
— O que era?
— Nada de bom, mãe. Estamos ficando sem combustível. Acho que o piloto vai tentar um pouso forçado.
— Deus vai te proteger.
— Eu sei. De um jeito ou de outro eu vou ficar bem. Seja pousando ou morrendo.
— Não fala de morte, filha. Não desiste.
— Desculpa, mãe.
— Não precisa se desculpar.
— Eu queria ter feito tanta coisa, mãe. Eu queria poder ter terminado a faculdade, arrumado um namorado decente. Eu queria ter casado e ter tido uma festa linda, te dar netos. Eu tô com medo, mãe...
— Eu também, filha. Mas vai dar certo e você vai conseguir fazer tudo o que quer ainda.
— Mãe... O piloto acabou de avisar que vai tentar pousar. Mas as chances não estão boas, já que estamos em área montanhosa. Lá fora está um caos.
— Meu Deus! Estou ouvindo a bagunça.
— Estou indo me sentar na minha cadeira, colocar o cinto, essas coisas.
— Vou rezar por você.
— Reza mãe...
— Mãe?
— Oi...
— Cuida do pai pra mim? Não esquece de dar ração pro Charles e saiba que eu te amo muito.
— Eu também te amo, filha.
— Mãe, eu tô tão assusta...
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A Última Conversa - #cafecomletra4
De TodoConto escrito para o concurso Café com Letras sobre Diálogo e tema Defeito. Tentei expor uma história sem usar nenhum artíficio, somente diálogos. Foi um desafio manter a emoção e tensão sem usar nada além de diálogos.