Esbarrão

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3 de março de 2014

Senso de humor, fidelidade, calmaria, paciência, organização... Essas eram algumas de muitas qualidades e características dela. Claro, umas realmente faziam jus à suas ações, outras eram apenas balela, qualidades que só ela acreditava possuir. Mas o que realmente marcava em sua personalidade eram seus tropeços nos próprios pés, piadas mórbidas ou muitas das vezes sem graça, o seu jeito desastroso, sua inocência e paciência fora do normal.

- MÃE! QUEM DIABOS MISTUROU MINHAS ROUPAS?! - berrou nervosa ao levantar para separar seu uniforme, abrir a primeira gaveta onde ficavam suas roupas específicas para frequentar a escola, e sentir tecidos de espécies diferentes das que deveriam estar alí. - Droga! - Murmurou ao não ser atendida pela mãe.

O que lhe arrancava a paciência era quando mexiam em suas coisas, não gostava que interferissem na sua organização e consequentemente em sua independência, já que a mesma possuía apenas 10% da visão.

Sentindo o tecido das roupas uma por uma, achou sua camiseta e calça de moletom que fazia parte de seu uniforme, como estava frio optou por estes no lugar da saia. Pegando suas roupas seguiu para o banheiro sem muita dificuldade, conhecia o caminho "até de olhos fechados" como a mesma costumava dizer, colocou-as em cima do banquinho que ficava um passo a frente da pia.

Seguiu para o box e ligando o chuveiro sentiu a água quente percorrer seu corpo, suspirando levantou o olhar aos feixes de luz que atravessavam a enorme janela colorida em seu banheiro. Ficava no topo da parede, em dias ensolarados refletia cores fortes fazendo com que a latina as enxergasse com clareza.

Camila amava tomar banho, o fazia muitas vezes, em dias de muito sol chegava a tomar três vezes ao dia, por sua sensação de poder enxergar algo, ela extrapolava, se distraía e chegava a passar quase 30 minutos em cada um, esses que eram divididos em realmente se lavar e olhar as luzes coloridas que atravessavam a janela.

[...]

Já vestida, descia as escadas contando sete degraus até o andar de baixo onde ficavam a sala e a cozinha, adentrando o local sentiu um beijo em sua bochecha.
- Bom dia hija, sente-se para comer... Eu e seu pai queremos conversar com você - Sinuhe diz de forma calma, mas com um leve tom sério em suas palavras.
- Devo me preocupar? - a mais nova pergunta com a mão esquerda apalpando a cadeira a sua frente e se sentando.
- Filha, a conta de água deste último mês chegou... - desta vez seu pai se pronunciou, assumindo um tom exasperado, balançou o papel para que ela pudesse ouvir. - Mais de 400 dólares, Camila!

A conta de água sempre vinha um pouco cara, seus pais já eram acostumados, não ligavam por este ser praticamente o único gasto da filha, mas Camila vinha exagerando, seus pais achavam que ela não estava bem, entretanto, corrigiriam, porque a última coisa que fariam seria tratar a filha com certa diferença, Camila é uma pessoa normal e competente, desde pequena fora criada para ser responsável, e nunca, de forma alguma usava a falta de visão como desculpa.

- Oh... Me desculpe... - disse de forma relutante e pensativa, logo após um suspiro ela prosseguiu sua fala. - Eu posso voltar a trabalhar na cafeteria.

Era algo em que estava pensando a algum tempo, precisava de dinheiro. Antes dos Cabello mudarem o local de sua cafeteria para um maior, Camila havia trabalhado lá por uns meses, somente não prosseguiu, por não haver necessidade, continuaria se não fosse por insistência de seus pais em se dedicar apenas a escola, continuaria, mesmo que alguns funcionários a tratassem como uma idiota ou inútil.

Alejandro suspirou de forma calma, não estava surpreso com a sugestão da filha.

- Bom... Então a conta de água a partir de agora é sua responsabilidade, conversei essa semana com sua mãe e nós estávamos pensando exatamente isso... - pausou - Melhor você voltar a nos ajudar na cafeteria.
Camila curvou os lábios num sorriso exagerado.

- Você pode começar amanhã no período da tarde, 16:00 às 20:00hrs. Pode levar o Duke, deixe-o em minha sala nos fundos - Sinuhe referiu-se o cão-guia, logo depois lembrando-se de algo, voltando a falar - Não se esqueça de levar a ração!

- É claro que não vou me esquecer mãe. - soltou um riso anasalado, pegou torradas que estavam a sua frente como de costume e comeu.

- Mandarei alguém te instruir, até você pegar o jeito. Agora coma, para não se atrasar.

Camila comeu apressada e quando já estava próximo ao seu horário, levantou-se, ainda com a boca lotada de comida abriu um sorriso zombeteiro mostrando o alimento mastigado em seus dentes.

-Urgh Camila, te ensinei tantos modos quando pequena e agora você vive fazendo isso?! - Sinuhe fez uma careta de nojo fechando os olhos, balançando a cabeça em forma de negação, Alejandro ria da situação.

[...]

A campainha tocou e logo Camila se apressou pegando sua mochila, recebeu um abraço de seu pai seguido por outro de sua mãe.
Abriu a porta já sabendo ser Dinah, a acompanhava para a escola todos os dias.

- Eu sei que eu sou gostosa, mas não precisa ficar olhando meus seios desta forma, me ofereça um café ou me dê um bom dia ao menos. - a loira obviamente estava brincando, utilizando a mesma morbidez de Camila em suas piadas.

- Um dia vou te processar por bullyng. - Camila estava com os lábios curvados num pequeno sorriso contido, os braços abertos pedindo um abraço da amiga, que logo foi recebido.

Caminharam lado a lado de braços cruzados, contou a novidade sobre trabalhar na cafeteria de seus pais, o que logo animou a amiga, que começara falar que era ótimo e que agora poderia tomar café de graça.
O caminho não era longo, em pouco tempo estavam passando pela porta de entrada, seguindo para a sala que ambas frequentavam.

-Mila, você se lembra qual era o dia de entrega daquele trabalho que a sra. Blood passou semana passada? - Dinah mantinha a cabeça virada para trás, onde a amiga sentava, tamborilava os dedos em sua coxa torcendo para aquele não ser o dia de entrega, pois tinha esquecido o trabalho em casa.

- A entrega é hoje mesmo, por que? - a menor franziu o cenho - Não vai me dizer que não fez...

- Não, eu fiz, mas acho que o deixei em cima da mesa. - choramingou - Pelo amor da santa Ally me empresta o seu?

Camila puxou um papel datilografado de dentro de um plastico que estava em sua mochila e a entregou.

O resto da aula a sra. Blood falou sobre sua semana, deu lições de moral para gatos pingados que permaneciam acordados, já que outros, dormiam, conversavam, e Dinah escrevia feito louca para terminar antes do fim da aula.
O sinal tocou e todos levantaram correndo para o intervalo, Camila esperava a amiga que alegava faltar duas linhas para completar.
A professora juntou sua bolsa e livros e foi porta a fora, indo para a sala dos professores.

- Você me espera por um minutinho? Vou correr atrás dela e já volto para te buscar, tudo bem? - tocou o braço da amiga que lhe deu uma confirmação com a cabeça, e bufou - Juro que não demoro.

Sentou novamente em sua cadeira e esperou impacientemente, contou trinta segundos, já cansada de esperar levantou-se e caminhou em direção ao refeitório, não seria a primeira vez que teria de ir sozinha.
Dando passos não muito lentos, mas com os ouvidos atentos o máximo possível para desviar de alunos que vinham correndo.

Atravessava o corredor quando sentiu esbarrar em algo, parou na hora e virou o rosto com a orelha esquerda direcionada ao que havia esbarrado.
Esperou uma reclamação, não ouvira nenhuma, apenas as vozes gritantes dos alunos, deduziu então ser um armário, ou qualquer outro objeto.
Se fosse alguém, falaria algo, certo?

Não pediria perdão a um armário e acabar fazendo papel de louca. Então continuou seu trajeto, deixando para trás uma garota boquiaberta, pensando ter sido esbarrada por alguém arrogante que olhara em seus olhos e a ignorara.

Colorum In TenebrisOnde histórias criam vida. Descubra agora