(4) Conto: Power Doesn't Have Gender

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Com um pouco mais de força que o necessário, eu soco o remendo do saco de pancadas da sala de treinamento e abro aquela ferida antiga. A areia começa a escorrer como em uma ampulheta e eu me afasto, me odiando mentalmente porque esse era o único livre nesse horário e ninguém vai sair daqui pelas próximas quatro horas.

As pessoas ao meu redor estão aqui pelo mesmo motivos que eu: todos queremos treinar e sair por aí para lidar com as ameaças que duplicam de quantidade e causam mais problemas a cada dia que passa.

Mas eu sou a única garota na sala. Por quê? Porque eu não nasci para ser como a minha mãe e todas as minhas tias, uma mulher que trabalha mantendo as informações em ordem, cuidando de ferimentos ou até mesmo afastada desse mundo.

Eu cresci vendo meu pai lutar com as espadas mais brilhantes e carregar as armas mais mortais num esconderijo em seu casaco porque ele nunca sabia quando seria necessário. Nas minhas veias correm altas doses de adrenalina e meu corpo não pode ser desperdiçado com horas em frente a um computador ou homens machucados.

A Gabriella que muitos conhecem se torna Ella quando entra em combate. Talvez a primeira nunca tenha existido porque eu sempre senti que a minha vida era me sacrificar pelo bem de um grupo maior.

Gabriella se enfurnaria em uma biblioteca e leria para crianças pela manhã e ensinaria história aos maiores pela tarde. Suas roupas seriam tão sem graças quanto as paredes do quarto e seu cabelo pareceria sempre em ordem.

Ainda bem que Ella não se importa com as ondas longas e negras que se misturam com seu uniforme escuro. Seu corpo é ágil como sua mente e nada parece pará-la. A única coisa que ela odeia é ter que se preocupar com seus pais sempre perguntando quando ela arranjará algum pretendente para criar uma família.

Eu me divido em duas pessoas distintas, mas só uma habita esse corpo. E eu não preciso de um homem para me proteger de nada. O último que tentou bancar o cavalheiro idiota em uma festa de comemoração acabou em cima da mesa de entradas com uma cara de “O que eu fiz?”. Juro que a cantada dele foi terrível – e altamente machista.

Desisto de treinar hoje quando realmente vejo que ninguém vai ceder. Uma nova leva de demônios está criando o caos e eles precisam estar em forma e prontos para lidar com tudo. As mulheres ficam apenas observando e aplaudindo. Se eu me vejo fazendo isso? Nem em um milhão de anos.

Começo a desfazer as amarradas ao redor da minha mão quando Lucas se aproxima. Seu sorriso de galã derrete todas as outras garotas, mas eu não, eu sou à prova de garotos estúpidos. Ele tem o dobro do meu tamanho, peso e jeito para a luta – perde para a leveza e agilidade dos meus movimentos.

- Uau, você é bem durona mesmo. – Ele dispara e eu devolvo com um olhar bem insatisfeito. – O que foi? Você é muito boa, pena que eles não aceitam mulheres.

- Bem que eles poderiam, mas vocês homens têm tanto medo de nós tomarmos seus lugares que nos impedem. – Aponto para o aviso de convocação de novos lutadores para conter o caos. – Essa sociedade que vocês comandam não permite que uma mulher faça um trabalho como vocês. Eu sinto informar, mas eu não serei como minhas amigas.

- Você não quer gritar isso não? Todo mundo está atrás de uma boa briga para substituir esses inimigos inanimados. – Ele olha ao redor e apoia um braço contra a parede atrás de mim. – Você pode continuar treinando e ter um pretendente, sabia disso? Ninguém impede o seu acesso a esse lugar.

- Mas vocês me olham como se eu fosse um pedaço de carne ou reviram os olhos.

- O que podemos fazer se você é a única garota que ousa entrar aqui? – ele tenta me prender contra a parede, mas eu esquivo para o lado, seguro o braço dele e o torço atrás do seu corpo.

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