(8) Conto: Meu lugar no mundo

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— Não!

— Não? Como assim não?

Aparentemente eu estava falando em hebraico, porque só isso explicava o fato daquele diretor cabeça dura não entender o cacete de um não.

— Eu vou soletrar pra você, Oliver — levantei da cadeira ensaiando um sorriso paciente, daqueles que uma professora dá quando precisa explicar algo para uma criança hiperativa pela milésima vez seguida. E disse com lentidão ácida: — Eni a o til. Não. Sacou? Eu não vou abrir mão do meu time. Não vou abrir mão das minhas meninas. E não vou deixá-las nas mãos de uma pessoa que sequer lutou uma grama por elas!

— Lola, você não está entendendo...

O diretor Oliver parou de falar e coçou a ponte do nariz, respirando fundo. Aquela conversa estava sendo mais difícil que o previsto para ele. Claro que eu não perdia a oportunidade de abrir a minha boca nervosa quando ele vinha com seus discursos moralistas de que eu não era boa o suficiente no que eu fazia. Eu era muito boa sim, havia ganhado vários títulos como jogadora. Tinha incontáveis medalhas e troféus pendurados na parede do meu quarto para falar por mim. O campo de futebol me fazia sentir-se em casa, era como chegar e ver aquela plaquinha "Lar, doce lar" pendurada na porta, entrar e aquele típico cheirinho de comida quentinha invadir as narinas. Era o céu.

Que o diretor Oliver não gostava de mim era óbvio; seu olhar sempre denotava dúvidas quanto ao meu trabalho, ele não perdia a oportunidade de dizer que mulher entender de futebol era o mesmo que um dentista fazer um transplante de órgãos; puro caos. Suas piadinhas machistas me levava a pensar se ele tinha uma vida tão miserável que precisava fazer a dos outros infeliz também. Que pena que isso não me atingia mais. Desde que cheguei na escola Teresinha Campelo tem sido assim. Acho que Oliver gosta de me deixar desconfortável porque é um perdedor cuja carreira de ator não deu certo e teve que assumir a escola quando o pai faleceu.

Mas o motivo de ele ser tão contrário a minha presença, como se eu fosse incapaz e burra para entender e atuar em um universo abre aspas masculino fecha aspas, era que, para ele, mulher tinha que fazer coisas de mulher, tipo: cuidar da casa, filhos e o caralho a quatro e não jogar bola. E eu sabia que essas palavras eram dele porque eu o tinha ouvido acidentalmente com o treinador do time masculino, na sala da direção.

Eu fui embora nesse dia com a minha alma doendo, porque eu não acreditava que em pleno século XXI ainda existia homens com aqueles pensamentos escrotos e ridiculamente idiotas a respeito de onde é lugar de mulher e onde não é.

Lugar de mulher é onde ela quiser, seus filhos da puta! Dá uma vontade de gritar as vezes.

Eu sempre gostei de futebol. Gostava de me sujar, brincar na lama e inchar o pé por causa de um chute mal feito, diblar, fazer carrinho e de ser crianças levada, feliz. No infância, minha boneca era uma bola de futebol e no colégio o meu apelido era Lola, a machona. Não sei bem quando isso começou, mas eu acho que foi quando eu quis me enfiar no time dos meninos.

A lá, a machona quer jogar no nosso time.

Menina não sabe jogar futebol.

Vocês são muito fracas. Não aguentam levar um chutinho que já querem chorar.

Bom, as canelas dos idiotas mirins não acharam isso quando esbarraram com o meu pé poderoso e impiedoso.

Meu pai me ajudou muito a ser menos agressiva em campo. Você não pode levar seus problemas para o jogo, Lola. Você tem que focar em jogar e fazer gols, não em bater. Isso não é boxe, é futebol. E se existe uma coisa que eu tinha era o sangue quente viu. Não podia ver um desaforo, que já queria bater de frente. Levá-los para casa pesava na mochila. 

O Futuro É FemininoOnde histórias criam vida. Descubra agora