Capítulo Único

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Ele esteve esperando tempo demais para contar essa história. Nos dias que passou escrevendo, ficava imaginando se alguma vez a veria novamente. Mas a verdade era dura, e a mãe natureza cruel.

Não se lembrava de qual fora a última vez que havia ido a um cemitério, e também sabia o quão injusto, egoísta e patético era pensar sobre aquilo. Era incrível como ele conseguia tornar tudo sobre si mesmo, no final do dia. A missa já havia acabado, e o enterro também. Ali, ainda restavam as poucas pessoas que se juntavam com os últimos restinhos que teriam da vida do indivíduo. Um último tchau.

Ele, egoísta como era, não podia deixar de se sentir deslocado por estar no enterro de uma pessoa aleatória. Mas ei, no final de tudo, eram apenas coincidências: ele meio que gostava da grama verdinha do jardim da casa dos mortos, e era um fato inegável que milhares de pessoas morriam todos os dias. E ele nem estava tão perto assim do ambiente. Não dava pra ser considerado desrespeitoso para com os que já não estavam mais ali desse jeito, certo?

O ambiente era sempre silencioso, se opondo a cidade grande que era a de São Francisco. Talvez fosse isso que sempre o fazia voltar ali, mesmo com todas as contradições. Um fuga da realidade — uma visão para o além.

Ironicamente, Stella sempre vivia falando sobre como ela não gostaria de ser enterrada. A morte era um tema bastante presente em seus monólogos — algo que foi percebido tarde demais, quando já estavam fazendo o boletim de ocorrência. Alguns remedinhos e puff, ela podia ter se ido.

Sempre havia dito que preferiria ser cremada ou queimada, de modo que seus ossos nem seu corpo ocupassem espaço. Ela queria ser carregada ao vento e passear por lugares incríveis, na forma mais espiritual possível. Também havia deixado claro que não queria que as pessoas falassem bem de sua pessoa, escrevessem músicas ou revivessem eternas nostalgias após sua morte. Tudo que queriam dizer, que o fizessem quando ela estivesse estado entre eles.

Esses desejos não haviam sido respeitados, visto que ele mesmo estava ali, quebrando a promessa. Louis se pergunta se o espírito estaria ali, olhando para todos com reprovação. Um arrepio percorre seu corpo ao pensar nisso: temia estar sendo observado por alguém até então presente em sua vida. Estranhamente, para sua pessoa, era amedrontador.

E pensando de modo mais egoísta ainda, olhando para trás e refletindo sobre algumas de suas conversas, sabia que ela não era a pessoa mais legal que já havia conhecido. Nem a mais inteligente, bonita, ou qualquer outra qualidade que as pessoas em geral considerassem importantes. Não. Ele retira o que disse — ou melhor dizendo, escrevendo, visto que tudo isso são só palavras —, o que pensa. Mas ele meio que gostava de acreditar que não havia necessidade de perdão caso as palavras só fossem pensadas, e não exatamente ditas.

Ele retira o que pensa porque sabe que era uma mentira. Mesmo com Stella sendo uma das garotas mais medíocres que havia tido a chance de conversar com, com aquele cabelo tingido de vermelho desgastado porque ela sempre dizia sobre como queria ser a Ariel, era isso que a fazia ser, do modo mais cliché e porco possível, especial.

Porra; ele encosta no próprio rosto, passeando com as costas das mãos de modo afoito. Já estava chorando. Era o que havia prometido que não faria.

Mas era uma tarefa impossível. Desde quando havia concordado em ajuda—la em um café aleatório — e olha que ele nem ao menos gostava de café, fora tudo um produto dele não querer ficar encharcado na volta para casa, que ele havia fugido, diga-se de passagem, por conta da chuva absurda que caía lá fora —, era impossível. Mas aquela garota estranha e provavelmente com problemas internos na vida amava beber daquele líquido escuro e quente, e então ela começou a falar sobre como achava os grãos bonitos e, droga, por que eles tinham que ser moídos se eles eram tão bonitos para ela? Será que ninguém ligava?

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