Respire fundo e esqueça.
Esqueça de tudo.
Esqueça os filmes românticos, esqueça os livros fantasiosos e as músicas chicletes que grudaram na sua cabeça e te irritaram por meses. Esqueça os buquês de flores, os cartões estúpidos que você guardou por...
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Você estaria mentindo se dissesse que nunca quis fugir. Nunca quis deixar tudo de lado e se mandar. Nunca ficou indeciso entre qual caminho seguir e sentiu dúvida em relação a o que fazer.
Porque isso acontece. Somos humanos e humanos não são colocados no palco da vida com um roteiro definido. Somos jogados nele. Não falamos as falas bonitas e não fazemos ações pré-escritas e revisadas, ensaiadas milhares de vezes. Não temos roteiro. Nunca temos certeza do que fazer ou do que dizer. Somos obrigados a improvisar sozinhos para um público que nem sequer existe. Sempre com aquele sentimento estranho, aquela aflição ruim que a pergunta: "o que devo fazer?" traz.
É horrível essa sensação de incerteza.
Ela é o frio na boca do estômago que não te deixa em paz e o fantasma que não te deixa pregar os olhos durante a noite, enchendo sua cabeça de perguntas e deixando o quarto menor, quase sufocante enquanto o escuro que te engole quando você está deitado na cama fica um pouco mais assustador. Tudo te lembra um pouquinho de quando você era apenas mais uma criança assustada com os monstros se escondendo embaixo da cama ou dentro do armário. A diferença é que agora tudo parece muito mais real.
Seus monstros existem e você não tem mais alguém — que não seja você — para te proteger deles. Eles podem te alcançar a qualquer momento.
E aos poucos a incerteza de não saber o que fazer — de ter a cabeça transbordando perguntas, mas não ter sequer uma resposta — te consome.
Você começa a fugir, sem nem perceber.
Talvez, a sua fuga comece com você se tornando um pouco mais distante, quase inacessível para as pessoas ao seu redor. Uma ilha sem portos ou aeroportos, impossível de se adentrar. Impenetrável. Escondida por uma neblina densa, quase opaca, aos poucos você vai se tornando invisível.
Inalcançável.
Amelia não se lembrava de quando começou a fugir.
Mas assim como qualquer hábito ruim ela sempre prometeu que iria parar.
Porque ela é humana e nós humanos sempre prometemos que é a última vez.
E sempre é a última. É claro, isto é, até o fazermos novamente num ciclo infinito de últimas vezes que acabam não sendo realmente últimas. O ponto final acaba nunca chegando e sempre enganamos a nós mesmos com vírgulas e vírgulas e pausas e mais vírgulas.
É assim que vícios, e manias e outros hábitos ruins funcionam.
Até que o que a promessa de parar significa para você acaba se perdendo e essa última vez se afunda em meio a um mar de milhares deoutras últimas vezes. E vocêjura. Você jura que realmente iria ter parado naquela vez que disse que seria a última, o problema é que é tão bom.É claro, você nunca teria começado se não fosse e seria bem mais fácil de parar.Mas é bom e por conta disso nos afogamos tão fundo no poço do vício que a vontade de parar se perde.