Capítulo Único

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©Essa história foi escrita por Kaline Bogard sem fins lucrativos, feito de fã para fãs. Cópia parcial ou total, assim como o uso do enredo, está terminantemente proibido. Plágio é crime.

***

Hannibal fechou os olhos e respirou fundo. O queixo anguloso ergueu-se de leve na cozinha; parecendo que, para quem olhasse, o simples movimento faria o psiquiatra apreciar ainda mais o silêncio absoluto. Como se o silêncio fosse uma sinfonia espetacular criada especialmente para aquele momento.

Silêncio tão profundo e grave... quase palpável, quase uma segunda pessoa no local imaculadamente branco e organizado.

Lentamente Hannibal dobrou uma manga da camisa bordô que vestia. Com igual cuidado e paciência enrolou a outra, expondo os braços até a altura dos cotovelos. Só então pegou o avental cinzento e o prendeu a cintura.

Estava feito. Não havia volta.

Aquele era o fim.

Mas onde tudo começara?

Aproximou-se do balcão e observou o pedaço de carne sobre a pedra de mármore. Ainda sangrava. Quase pulsava, como a vida que lhe fora roubada num rompante, algum tempo atrás. Pouco tempo atrás.

O cordeiro daquela oferenda tivera uma morte rápida e misericórdia. Não havia necessidade de tortura ou dor. O propósito era mais sublime do que qualquer pessoa sequer podia imaginar.

A morte. O sacrifício era uma forma de mostrar o quanto se importava e o quanto fora tocado. Como nunca antes.

A morte suave propiciava uma carne quase pura. Sublime...

Sublime como Will, claro. O grande e único culpado. O motivo de tudo, com seus grandes olhos, sempre a revelar quão perdido ele se sentia. Seus adoráveis cabelos bagunçados, um reflexo da bagunça que a vida do rapaz se tornara. Seu gênio singular, impaciente e bravio. O jeito de uma criança que sequer pode ser contrariada. O cheiro rudimentar que mexera com os instintos mais primitivos de Hannibal. Atiçara um lado seu que geralmente ficava controlado sob a máscara de profissionalismo. Perto de Willian o terapeuta quase se deixava levar. Queria prová-lo. Precisava prová-lo.

Mataria apenas para sentir isso. Sentir Will Graham, que entrara na vida de Hannibal meses atrás.

Tudo começara meses atrás. Ao encontrar aquele que viria a se tornar mais que um conhecido. Mais que um paciente. Muito mais que um amigo...

Will Graham.

Quase com reverência Lecter trabalhou a carne. Limpou-a do sangue e deixou-a no ponto para ser temperada.

Notou um pontinho vermelho em seu pulso, uma mancha que lembrava que aquela criatura em pedaços sobre seu balcão um dia estivera viva. Fora dona de uma alma quente. Diferente de outros animais que terminavam em sua mesa como o prato principal: na noite especial a oferenda escolhida transbordava de amor.

Amor.

Reverente, Hannibal deu uma última olhada no pingo sangrento e levou o punho aos lábios, passando a língua lentamente, sorvendo o sabor.

O sabor.

Talvez, sendo muito sincero consigo mesmo, admitiria estar a procura de um sabor que marcasse sua vida. Um sabor que, numa apologia a tudo o que fizera até então, traria novo gosto à própria vida.

E encontrara.

Com calma pegou as ervas e iguarias. Sabia combiná-las como ninguém. Aquela noite apreciaria o paladar indiano. Forte, marcante, quase espiritual.

First You (Hannigram)Onde histórias criam vida. Descubra agora