Capítulo 3

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No dia Trinta de Abril de 1622, a Condessa da Feira, Dorotéia Forjaz Pereira, resolveu fazer o seu experimento em seu próprio corpo, sem o conhecimento do seu aliado e carcereiro, Manuel Bocarro. Usando a "Essência de Hades" e combinado com a "Lágrima de Hécate", a condessa sofreu com o envenenamento durante dias.

O Necromante teve que decretar o falecimento de sua aliada, naquela terça feira, no dia Três de Maio de 1622. Houve um velório e o enterro discreto no dia seguinte. Como uma forma de prevenção, o estudioso português resolveu retirar um pouco do sangue da morta para estudar mais os efeitos da mistura alquímica.

Nos dias que se seguiram, o sangue não coagulava. Conservava intacto. Notava-se uma coloração esverdeada em meio do plasma sanguíneo. Manuel observava que o sangue estava se comportando de forma de um ser vivo independente. Então o Necromante teve uma ideia estranha. Colocou num prato, sangue de galinha que seria preparado para o almoço e na borda oposta o sangue do cadáver. O sangue esverdeado se deslocou para o outro e o absolveu.

Um sangue que deseja sangue...

A sua Mente começou a tecer uma conclusão aterradora.

A Condessa pode se transformar uma criatura monstruosa, ávida por Sangue ou que mais possa ter sido desenvolvido...

Rapidamente, o acadêmico Português ordenou a um grupo de milicianos e escravos negros para desenterrar o corpo da Condessa o mais rápido possível. Pois o homem tinha um péssimo pressentimento.

Os seus horrores tinham sido concretizados.

O túmulo estava aberto...

O caixão estava vazio...

O Necromante ordenou que todos procurassem o corpo desaparecido ou roubado. Porém, no fundo, Manuel sabe que a mulher se transformou numa criatura não humana.

As horas passam e o Sol se pôs. O véu noturno envolve a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O iluminador de lampiões das vielas abertas da cidade faz o seu trabalho. O coitado escuta um grito horrendo.

Curioso e assustado, o homem chega ao local da origem do ruído. O que ele vê é a visão mais horrorosa que alguém jamais imaginou.

Uma mulher de vestido sujo, mordendo o pescoço de uma mucama e ignorando o grito de pavor do homem que viu a cena monstruosa. O pobre acendedor de lampiões fica paralisado de Medo.

Neste momento, a mulher que mastigava o pescoço da negra morta se vira para o homem. O seu rosto se move de uma forma estranha e os seus olhos brilhantes esverdeados mostram que ela tem ciência da presença do sujeito.

Lentamente, a criatura se ergue e fica de pé. Aos poucos, ela se aproxima.

Óbvio que o homem queira correr desesperado, mas uma "força" impedida de fazê-lo. Quando a mulher fica diante dele, as gotas de sangue pingam na sua farda de alferes. A mulher pousa a sua mão no ombro esquerdo do coitado.

— Quero que dê um aviso para um velho amigo... — diz aquela voz feminina e cavernosa.

Em sua residência, Manuel Bocarro Frances bebe o seu vinho tranquilamente esperando o resultado da busca. Todavia, um dos seus auxiliares dá a notícia que não esperava.

A Condessa da Feira queira conversar com ele naquela noite.

Medo é uma palavra muito branda para descrever aquele momento nas ruas do Rio de Janeiro. Ainda mais andando sozinho com uma criatura capaz de imobilizar um homem com um olhar e destrinchar o pescoço de uma mulher adulta como um animal.

Manuel caminha com a sua espada e acompanhado por cinco milicianos mercenários. Muito mais fortes do que ele. Aos poucos, o português notou que os seus guardiões desaparecem um a um, no meio daquelas ruas mal iluminadas.

Por fim, ele fica sozinho...

— Eu disse que queira que viesse sozinho — diz uma voz feminina e sombria.

— Mesmo sendo Necromante, ainda sou humano... — retruca o português. — Tenho que preservar a minha integridade física.

Um ruído estranho como um pigarro ecoa naquela rua pouco iluminada. Era como uma risada bizarra ou algo do tipo.

— A humanidade é algo muito superestimada. O que vale é o Poder. Graças as nossas pesquisas conseguimos desafiar Deus e criar uma nova forma de Vida. Usando os elementos da Criação e fazendo novas regras. Olhe para mim. — diz a criatura se aproximando para a Luz.

— Por favor... — balbucia o homem.

— Deixe de ser covarde... Não devo estar tão feia assim. Ainda consigo me olhar no espelho. — diz a voz nas Trevas.

Ao ver o rosto da mulher, Manuel se assusta com a beleza imaculada da criatura. A sua pele branca como papel e lábios vermelhos. Os seus olhos esverdeados tanto o humor vítreo quanto o seu íris. Não era monstruosa, mas era medonha.

— Viu? Não estou feia. Estou até bonita. — E sorri.

Neste momento, os seus dentes revelam a sujeira do sangue das carnes humanas que devorou.

— Jesus Cristo... — exclama o Necromante.

— Uma criatura como eu... — Pigarra. — Posso pensar, agir, planejar e fazer exercícios complexos cognitivos. Eu morri e voltei à consciência no mesmo corpo. Só que tenho uma alteração alimentar. Gosto de carne e sangue humanos. Podemos fazer muito mais... Manuel... Imagine. Nós dois. Como Adão e Eva no Novo Jardim do Éden. Nós seremos os Deuses da nova criação... — propõe a mulher.

Manuel olha para ela e se afasta um pouco.

— A sua proposta é deveras tentadora, mas a minha missão é produzir um Zumbi que seja útil a Ordem de Cristo. Um Ser inteligente, mas que seja manipulável as ordens da Nobreza ou da própria Escola de Sagres. — revela.

Um novo pigarro vindo da criatura.

— O plano era criar um idiota útil para que possam controlar? Um monarca vindo de Alcácer-Quibir que seja imbecil ao ponto de deixar que um bando de acadêmicos o controlem. Nossa... As intrigas da nobreza não me cansam de me surpreender. — E a criatura alisa o seu rosto branquíssimo com a ponta dos seus dedos em forma de garras.

O Necromante espera pelo pior quando a mulher o olha por um longo tempo em silêncio.

— Podemos fazer algo a respeito, meu caro amigo...

* * *

Um Presente para o ReinoWhere stories live. Discover now