Problemas na Rodoviária

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CAMILA


Odeio ter que depender dos outros. Nunca gostei de depender da minha família, quem dirá de alguém que não tem nenhum laço de sangue comigo. Para ser mais sincera, essa história de "laços de sangue" não importa para mim, é só que... apesar de ser minha amiga, não queria lhe dar trabalho. Hoje cedo quando acordei, pensei que tudo seria tranquilo, que eu chegaria até aqui, iria até a senhora dona da quitinete que eu havia conversado por telefone, arrumaria minhas coisas, procuraria um emprego e só então eu viria até aqui falar com ela. Não queria que ela ficasse preocupada comigo, mas estou fazendo o contrário.

Com certo receio vou até a recepcionista.

- Bom dia! - digo para a mulher atrás do balcão de mármore.

- Bom dia. Em que posso ajuda-lá?

- Eu estou procurando uma amiga. Ela pediu que assim que eu pudesse viesse para cá. Só que gostaria de fazer uma surpresa para ela.

Ela me olhou desconfiada. Mas assume o risco e aperta alguns números.

- Bom dia, Senhorita Jauregui! - Ela diz logo após alguns minutos de espera - Desculpe por incomoda-lá mas é que tem uma encomenda aqui para você. Me disseram que tem que ser você para assinar. Certo. Pedirei para aguarda-la.

Sinto meu estomago borbulhando de ansiedade e de medo, medo de que eu esteja chegando em um momento inoportuno. Ela é tudo o que tenho agora, meu único porto seguro.

Agradeço a recepcionista.

A recepção tem diversos quadros abstratos, além de retratos de pessoas do século XIX. Mas o que mais me chama atenção é o quadro que se encontra sozinho em uma parede, não é o maior quadro, mas sim a parede que é pequena. É sob o ponto de vista de alguém que está em cima, nele há uma cidadezinha, ela está em chamas, e mais a frente, conforme a forma de visão, estão aviões de guerras soltando bombas. Ele retrata a Segunda Guerra Mundial. Da para sentir o desespero das pessoas que estavam embaixo vendo suas vidas passarem diante de seus olhos...

- Olá, Julie! O que chegou? - No instante que foi pronunciada a primeira palavra eu já sabia que era ela. - Espero que sejam meus... - Ela para de falar assim que entro em seu campo de visão.

- Sinto desaponta-la, mas sou apenas eu. - Digo rindo. Ela permanece em silencio com a boca aberta em surpresa.

- Eu não acredito Camz!! - Ela corre em minha direção e me pega em um abraço apertado. - Mas o que aconteceu? Achei que você só viria me ver depois que se instalasse... - Ela me solta e fixa seus olhos nos meus esperando uma resposta. - Camz?

- Então... - digo e solto a respiração, que só então notei que estava prendendo. - É um pouco complicado...

- Fala logo, Camila.

- Argh... Que belo reencontro esse... - Resmungo fazendo bico. - Hoje, mais cedo, quando cheguei aqui, eu pensei em ir até a quitinete à pé. E foi isso o que ia fazer, não era muito longe, então pensei que não haveriam problemas, não eram muitas coisas para carregar...

- Você sabe que poderia ter me ligado. Eu te levava até lá sem problemas!!

- Eu sei, eu sei, calma, não foi só isso... - Digo abaixando os olhos. - Quando eu já estava a alguns quarteirões da estação, dois caras começaram a me perseguir... - Ela arregala os olhos e seu rosto perde a cor. - Eu comecei a andar mais rápido, mas não havia lugar algum em que eu pudesse me esconder, o quarteirão era vazio, nenhum estabelecimento, apenas terrenos abandonados. - Eu engulo em seco. - Um deles me derrubou no chão e o outro pegou minha bolsa e a mala com todos os meus pertences e, além disso, o meu celular que estava na minha mão. Assim que eles pensavam que tinham pego tudo, saíram correndo. Eu não tinha o que fazer, eles estavam em dois e eu com muito medo. Não me atrevi a sequer olhar para que lado foram, permaneci imóvel no chão por vários minutos, até que uma senhora que estava passando com seu cãozinho veio ver o que havia acontecido. A única coisa que me restou foi um dinheiro que guardei no bolso da calça e foi com ele que paguei o táxi, não quis arriscar que algo pior acontecesse. - Tento forçar um sorriso assim que termino.

Ela permanece me olhando, sem pronunciar qualquer som.

- Não se preocupe! Eu estou bem! - Me apresso em completar. - Comigo eles não fizeram nada, apenas levaram minhas coisas.

- Você já foi até a delegacia? - Ela me pergunta assim que recobra a consciência. - Camila, era a primeira coisa que você deveria ter feito! - Ela vocifera assim que aceno em negativa com a cabeça.

- Eu sei. Eu pretendo ir amanhã. Mas hoje eu gostaria apenas de descansar, eu estou exausta, física e mentalmente.

- Eles levaram todos os seus documentos?

- Sim. E todo o dinheiro que eu tinha. Eu havia escondido no fundo da mala. O dinheiro que juntei durante esses últimos anos para que eu pudesse seguir a minha vida. - digo em um sussurro, me segurando para não deixar as lágrimas caírem.

- Camz... Não se preocupe, isso é o de menos. Precisamos primeiro pensar em hoje.

- É por isso que estou aqui. Gostaria de te pedir para ficar com você, não será por muito tempo, eu prometo, é só até eu me ajeitar, conseguir arrumar minhas coisas. Eu não tenho dinheiro para ajudar financeiramente, no momento, mas pode ter certeza que te ajudarei com todos os afazeres, em modéstia parte eu cozinho muito bem.

- Ainda bem que você me disse isso. Já estava pensando que teria que te amarrar e arrastar para meu apartamento. - Lauren esboça um sorriso de canto. Um sorriso encantador. - Vamos subir então. Eu posso te fazer um miojo enquanto você toma um banho quente.

- Me parece uma ótima ideia.

Poucas Milhas de DistânciaOnde histórias criam vida. Descubra agora