The Last One

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A mente humana tem muita coisa pra revelar ainda ao seus usuários. O corpo humano e a forma como ele reage aos seus sentimentos, anseios e desejos também tem muito a nos mostrar. Seria capaz um cientista dizer o quanto uma pessoa que viveu uma vida extremamente amargurada pode suportar? Poderia ele calcular o quanto um corpo pode resistir ao tanto de escárnio e tristeza? Ou quem sabe calcular a probabilidade em que tudo possa mudar e deixar uma fina esperança alcançar um coração tão solitário. São perguntas das quais ninguém tem respostas. A situação pode mudar hoje, amanhã,  talvez nunca mude. Mas para Angelina, as coisas mudam agora, nesse momento. Depois de tanto esperar por respostas, ela encontrou a que  mais temia. Na verdade, ela só confirmou a que a mais deixava assustada. Todos de sua família saíram, seus irmãos estão nas casas de seus amigos, seu pai foi trabalhar e sua mãe foi visitar uma prima. Ela poderia ter ido com qualquer um deles, mas preferiu ficar em casa com  seus pensamentos.

Ainda ontem, ela presenciou uma cena um tanto quanto desprezível. Mais uma vez seus pais brigaram, não que ela já não estivesse acostumada a isso, sendo que passou sua vida inteira vivenciando os gritos e palavrões que saiam da boca de ambos; mas daquela vez foi ainda pior. Ela viu seu pai se mostrar um homem sem caráter quando sua mãe abriu a boca e gritou para os quatro cantos da casa que ele dormia com outra mulher. E a situação só piorou quando se viu obrigada a fazer de conta que estava tudo bem, que não tinha nada acontecendo.

Angelina olhou ao redor mais uma vez, pegou seu celular e pensou em ligar para alguma amiga ou talvez pro carinha que ela gostava, na esperança de que ele ou qualquer outro a fizesse mudar de ideia. Deslizou o dedo pela tela do celular, procurando por todos os prováveis contatos e por fim, acabou mandando uma mensagem pro carinha:

<i>"Qual a minha importância na sua vida?"<i/>

Esperou por quase dez minutos uma resposta que não veio. Ela sabia que isso aconteceria. Talvez, no fundo, ela não quisesse mudar de ideia, não queria que ninguém a fizesse mudar de ideia. E por esse motivo, mandou a mensagem para a pessoa menos provável de manter um diálogo. Cansada, Angelina respirou fundo e sorriu. Olhou para os potes e cartelas ao seu lado, pegando-os em seguida. Não deveria hesitar nem voltar atrás, olhou no relógio, eram quase duas da tarde, logo algum de seus irmãos voltaria e e ela não queria que desse tempo de reverter a situação. Foi para seu quarto e sentou na cama de cima da beliche em que dividia com a irmã caçula. Olhou para o celular mais uma vez e fechou os olhos. <i>Tá tudo bem... Vai ficar tudo bem agora...<i/> Ela repetia em sua mente como um mantra.

Angelina sabia das consequências. Ela estudou essa possibilidade durante uma semana inteira. Não foi porque o pai traiu a mãe dela ou porque o carinha de quem ela gostava não retribuia ao sentimento. Mas sim, por anos vivendo da mesma forma. Escondendo tudo atras de um sorriso, sempre evitando que as pessoas chegassem perto o suficiente. A decisão tomada foi pelo cansaço de tanta indecisão e solidão. Pensou e repensou em cada detalhe e desejou, acima de tudo, que a perdoasse e a entendesse. Muitos a chamaria de covarde, mas acredite que é necessário muita coragem para realizar tal ato. Abriu os potes e foi tomando os remédios de vez, um pote atrás do outro e e em seguida as cartelas. A mistura dos medicamentos em seu organismo a fez ficar tonta em questão de pouquíssimos minutos. Minutos suficientes para que ela selecionasse alguns amigos em sua agenda para mandar a seguinte mensagem:

<i>"Em momento algum pense que eu os deixei ou que fui mimada ou covarde. Vocês sabem o quanto os amo, mas eu não podia mais aguentar. Me desculpe, por favor."<i/>

Antes mesmo da mensagem ser enviada, Angelina deitou em sua cama, abraçou o seu travesseiro e sorriu ao perceber que a escuridão chegava cada vez mais perto. Sentia seus batimentos cardíacos diminuindo a cada segundo e a respiração ficando cada vez mais lenta. Ela sorriu quando sentiu a paz finalmente invadir o seu corpo. Não importava para onde ela iria, ela apenas sorriu ao sentir que não sentiria mais dor.

Angelina não viu, nem sentiu seu celular apitar com mensagens de seus amigos perguntando se ela estava bem, ela não viu quando sua mãe chegou em casa procurando por ela nem ouviu sua irmã caçula chamando por ela pra contar em como havia se divertido na casa da amiga. Não viu quando seu pai chegou do trabalho desesperado quando sua mãe ligou para ele contando do que havia acontecido e muito menos viu quando o carinha mandou uma mensagem com uma desculpa qualquer pela demora. Ela não viu, não ouviu e muito menos se preocupou. Angelina agora estava em paz.

Submersa Na Escuridão Onde histórias criam vida. Descubra agora