Prólogo

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A chuva cai com força socando furiosamente a terra escura do cemitério. Relâmpagos ribombeiam no céu negro e sem nenhuma estrela. O vento atravessa silibante as árvores que lutam para ficar em pé com tal intensidade do vento.
O cemitério permanece sem vida, as lápides estão molhadas e cinzentas, os mortos permanecem em seus devidos lugares.
A sepultura mais recente naquele local deserto está lotado de flores murchas e coloridas contribuindo para o aspecto sombrio e melancólico do lugar. Acima no epitáfio está escrito: Camyli, descanse em paz.

Que sua fada interior descanse com a ninfas e as deidades no Reino Flórido das Fadas.
O

cemitério FAE fica longe do Conselho de Fadas, numa rua deserta da periferia na saída de Brasília.

Tum. Chap. Tump. Chap.
O barulho vem no início baixo e fraco interrompendo o silêncio e a quietude do lugar esquecido pelos viventes, porém tornam-se mais frenéticos e desesperados.
Tum. Chap. Tum. Chap...
O som vem da nova sepultura, torrões de terras são abertos no chão, é como se um fantasma estivesse ali, deslizando, desenterrando algo, qualquer mortal que passasse por ali não perceberia esse movimento quase imperceptível.
Uma coruja logo ali perto solta um pio estridente que sobressai sobre o barulho da chuva. A coruja olha atentamente a sepultura, seus olhos azul brilham e espera pacientemente como se esperasse alguém ou algo...
Até que um braço pálido, magro e esbranquiçado ergue de debaixo da terra para fora.
Outro braço igualmente magro sai para fora provocando um som aterrorizante e assustador de terra molhada, por fim depois de tanta insistência sai a cabeça e finalmente o corpo todo. As pernas magras e esqualidas da figura estremessem ao tocar o chão, num ângulo estranho, torto. Não estão totalmente firmes, a figura cai de joelhos.
A chuva cai sem piedade sobre seu corpo magro e lava o barro de seu cabelo ruivo e opaco, fios do cabelo estão colados em seu rosto magro e arredondado, seus olhos negros estão quase sem vida, exceto pelo brilho voraz de fome neles presente. Os olhos de um morto.
É uma garota.
Ela faz mais uma tentativa para firmar seus pés na lama escorregadia, novamente suas pernas tremem, estão bambas e fracas, porém ela não cai. Dá um passo, depois outro. Lentamente a garota saí pelos portões do cemitério. Ela está confusa desesperada, se pergunta que dia é hoje e que raios faz em um cemitério, enterrada ainda por cima.
Tenta se lembrar do que aconteceu, sem sucesso.
Ela está com fome. Muita fome.
Caminha a passos tropegos pela rua deserta e mal iluminada, ela não sente medo, apenas fome. Não há tempo para medo.
Consegue andar mais um pouco pela calçada suja da rua deserta, até ela vê alguém, um homem em um guarda-chuva se aproximando, ele corre preocupado em sua direção.
Ela não recua, ela sabe que é um guarda pelas suas roupas azul e sua arma no coldre.
- Moça, está bem? - Diz a avaliando visivelmente preocupado. Ele se assusta com a palidez absurda da garota e o quão imunda ela está.
Deve ser uma sem teto, pensa.
Tudo que a garota consegue fazer é olhar para a veia pulsante e convidativa no pescoço do guarda, o cheiro de sangue invade suas narinas. É inebriante.
Ela fecha os olhos saboreando o cheiro, sabe que não pode fazer o que estão prestes a fazer, seu pai a mataria, ela seria repulsa do Conselho.
Sua mente está em um turbilhão de pensamentos confusos e mal organizados.
- Moça, vou ligar para a ambulância. Espere aqui. - Fala o guarda, notavelmente está na frente de uma louca.
Ele dá as costas para ela, mas uma mão firme, terrivelmente branca e magra o agarra fortemente pelo ombro. De alguma forma ele sente medo.
Sim, é um guarda, mas sente medo. Um terrível medo doentio.
Ele vira para a garota aterrorizado, ela não dá tempo pra ele reagir, pressiona ele contra o prédio, suas mãos de uma forma impossível esmagando seus ossos. O guarda grita.
Ela enterra seus longos dentes afiados em seus pescoço e saboreia o gosto da comida, do sangue, vivo, quente, doce.
Ela tira cada gota de sangue de seu corpo e não sente nenhuma dó, nenhum remorso ao ouvi-lo implorar para parar, apesar dela saber que deveria sentir. Ela pensa que está sozinha, mas acima do prédio um alguém a vigia.
Uma coruja, de olhos azuis.

Continua...

O Início da Madrugada(Volume 2) (HIATO)Onde histórias criam vida. Descubra agora