Capítulo 2

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Meu pai está imponente e sério como sempre, em imagem holográfica. Seu rosto e seu olhar está inexpressivo.
Mas eu com todas as minha emoções sinto-me compelida a sorrir de felicidade ao ver seu rosto. Senti tanta falta dele, tanta, que eu não consigo admitir. Ele fez tudo o que fez, não me ajudou em nada, mas ele é a única família que eu tenho, pelo menos ele não me abandonou como fez minha mãe. E isso já me deixa grata.
Eu quero abraça-lo, sei que ele não gosta, mas eu quero tanto! Luto com as lágrimas, para não deixa-las cair.
- Filha. - Chama.
Sua voz provoca um aperto no meu coração.
- Oh, pai como eu senti sua falta. - Falo, minha voz está embargada de emoção.
Não sei o que foi, mas a expressão impassível dele se quebra, algo nele, uma emoção vem a tona. Por um instante ele pareceu mais velho do que já é, e cansado. Pela primeira vez percebo as olheiras profundas ao redor do seus olhos. Ele está cansado, parece não ter dormido a dias.
- O senhor está bem? - Pergunto preocupada.
Levo a mão para tocar na sua, mas lembro que ele na está aqui, não exatamente.
- Estou. - Diz com um suspiro.
- Não. - Rebato. - Você não está nada bem.
- Filha... não se preocupe comigo. O que importa é você.
- Você é mais importante que eu. - Falo gentilmente.
Acho que passar todos esses dias morta me fez saber respeitar meu pai ainda mais, de todas as pessoas ele foi o único que senti mais saudades. Nunca fui tão paciente com ele como estou sendo agora, renunciando meu ego e minha raiva, para poder ser bom com ele.
- Camilly, eu te meti em uma grande enrascada. - Diz finalmente depois de algum tempo em silêncio.
Sinto meus músculos rígidos com essa notícia.
- O que o senhor fez? - Luto para não parecer irritada com ele.
- Precisamos conversar filha, é muito sério!
Meu coração gela ao ver sua expressão determinada, ao que parece isso é sério mesmo. Sei que ele só fala algo para mim quando nada mais tem solução e se tratando disso pode ser uma coisa terrivelmente impossível de resolver.
Será que os membros do Conselho querem me prender?
Essa não é a real questão. O que realmente quero saber é como eles sabem da minha existência? Eu estava sendo muito cuidadosa, quase nunca saia de casa.
- Tem que ser agora?
Ele balança a cabeça negativamente.
- Tem que ser hoje? De preferência a noite! - Diz.
Abro a boca para responder, mas ele me corta:
- A sós. Sem companhia, é um assunto particular...
Não espero ele terminar:
-Tudo bem. Eu vou... Onde é?
- Sabe aquela pamonharia que a gente sempre ia na BR 060?
- Sim... Te encontro lá as 7 horas. Pode ser?
Estou ansiosa. Não quero morrer e não tenho coragem de perguntar pra ele que assunto é tão urgente que temos que conversar apenas hoje, ele pode ser bravo as vezes.
- Pode. - Sua imagem começa a sumir lentamente, começando pela parte se baixo.
Dou uma última olhada em seu rosto levemente enrugado.
- Até daqui a pouco. - Falo, apesar de tudo feliz, por poder encontrar com ele.
Seu olhar tem um brilho de preocupação.
- Cuidado. - A imagem some por completo me deixado estática e com medo.
O jantar foi tranquilo, apesar da noite fria, cinzenta e nublada o humor da avó de Havinna estava contagiante. Por vezes me peguei pensando no meu pai, perguntas rondaram minha mente turvando qualquer pensamento racional. As duas estavam tão intertidas em sua conversa sobre coisas banais que não perceberam meu silêncio e a aflição que eu estava sentindo.
É urgente... Meu pai falara.
O que será tão urgente?
- Você vai ficar na sala hoje ou no quarto? - Perguntou Havinna.
As duas nem podem imaginar que vou sair, ainda mais a noite, quando os vampiros estão mais despertos e prontos para a caça. Estremeço com a ideia. Eu não queria esconder a situação delas, mas se eu contasse com certeza não me deixariam sair, e se deixasse iam me seguir. Meu pai não ia apreciar muito isso.
A pergunta que ela fez me traz pra realidade, não posso ir pro quarto, quando eu for sair pode fazer barulho e acordar as duas.
Já estou envergonhada por ter que pegar o carro de Havinna emprestado, sem ela saber.
- Na sala. - Decido.
Ela sorrir para mim, nunca havia visto esse lado carinhoso dela, mas ainda assim gosta de dar patadas e mais patadas, quando Daniel vem aqui para nos visitar ele é o principal alvo.
- Vou dormir então, boa noite... - Ela dá as costas, mas parece se lembrar de algo então se vira. - e ah! amanhã vou ver se acho algum lugar distante pra gente ir, sem que nos descubram. Você está bastante tempo sem qualquer diversão.
Sorrio agradecida, faz muito tempo que não me divirto, essa possibilidade agora, me deixa extasiada e ansiosa.
- Obrigada, eu realmente preciso sair daqui. - Digo aliviada.
Ela assente ainda sorrindo e sobe as escadas.
O silêncio se instala pela a casa quando as duas vão para a cama, os grilos dispersos pela noite cantam sua música juntamente com o louva-deus. Fecho os olhos e tento não pensar em nada enquanto aguardo as duas dormirem, meus pés não param quietos de ansiedade, meu coração bate descompassado, nunca maia tinha feito algo tão proibido como o que vou fazer agora, isso me deixa feliz, eu estou mesmo precisando de uma boa dose de adrenalina.
Passadas algumas horas, que pareceu dias, finalmente me levando do sofá ao qual não tinha movimentado nenhum centímetro, com cautela para não fazer nenhum barulho caminho em pequenos passos até a porta.
Com minha respiração presa giro a chave que estava na fechadura devagarinho.
A avó de Havinna confia muito em suas magias de proteção que não liga para chaves, janelas e portas, se fosse para ela dormir em uma casa sem portas nem janelas e muito menos portão ela faria tranquilamente, já Havinna com sua grande parcela de desastre na magia prefere a proteção feita pelas mãos dos homens normal mesmo.
O carro faz um ronco muito alto quando viro a chave na ignição, sei que isso pode ter acordado as duas. Por isso tiro o carro da garagem o mais rápido que posso e o carro corre a toda velocidade pelas ruas desertas de Brasila. Fico amedrontada por não ver nenhum carro sequer na pista. Olho para o céu pela janela, não há lua. E isso é um mal sinal, estremeço, espero não encontrar nenhum vampiro.
Controlo minha respiração e me concentro na pista a minha frente.
E se for uma armadilha?
E se o Conselho descobriu que estou viva e quer me matar. Será que meu pai mentiria pra mim?
Fico amedrontada com minhas perguntas sem resposta, meu medo aumenta conforme me aproximo ainda mais do local de encontro.
Você devia ter pensado nisso antes Camilly, agora é tarde.
Sim, é tarde demais. Mas pode não ser uma armadilha, assim espero.
A velha pamonharia abandonada no meio do nada está fechada, um carro preto com vidro fumê está estacionado a frente de sua estrutura de madeira velha e frágil. Fico contente por meu pai está sozinho, isso significa que o Conselho não sabe de nada.
Estaciono a velha caminhonete ao lado do seu sedan.
Salto para fora do carro, o frio e a forte ventania me saudam, aprecio seu toque em minha pele leitosa. Suspiro quando lembro que não posso mais me alimentar da brisa da noite, não consigo mais. É algo que não faço mais já que sou metade vampiro agora.
Um barulho de porta sendo aberta me tira dos meus devaneios.
Meu pai. Todo imponente e perfeitamente arrumado em seu terno cinza sai do carro.
Sorrio para ele, mas ele não retribui, seu semblante é de preocupação e isso me deixa incomodada.
- Boa noite filha. - Diz, sua voz está por um fio.
- O que aconteceu? - Pergunto agora preocupada.
Dou um rápido abraço nele, mas logo me afasto. Nós dois nos sentamos em cima do capô do seu carro, ele não olha para mim.
Alguma coisa o está incomodando.
- Eu tenho algumas coisas para te contar filha, mas você não está preparada. - Diz lentamente.- Eu não iria te contar tao cedo, mas as circunstâncias não permitiram...
Fico curiosa com seu início de conversa, sei que estou para descobrir alguma coisa, talvez respostas.
- Saiba que eu não queria nada disso pra você, mas eu fui egoísta, não queria te ver morta. Você pode ter pensado que eu tinha te abandonado, mas sempre estive ao seu lado te protegendo.
- O que está acontecendo pai? Conta logo de uma vez o que você está escondendo.
Ele me olha diretamente nos olhos pela primeira vez nessa noite, fico assustada pela aflição que vejo neles, dói a alma.
- Foi eu que te transformei em vampira Camilly. - Diz por fim.
- O quê? - Estou paralisada, não consigo acreditar.
- Eu pedi para Cristhian fazer isso. - Estou tão pasma que nenhum som sai da minha boca e ele continua.- Eu sabia que ele tinha prometido a sua mãe para te proteger, ele a amava tanto que faria qualquer coisa por ela mesmo estando morta, por isso pedi pra ele.
Tento assimilar suas palavras que teve um impacto sobre mim. Calafrios percorrem todo o meu corpo, não era bom saber que o sangue de seu inimigo corre em suas veias e que seu próprio pai foi cumplice.
- Entenda filha, eu não podia te perder, como você tinha um pouco de sangue da sua mãe, foi rápida a sua transformação. Pedi pra Cristhian te proteger enquanto você estava no cemitério.
A lembrança da grande e majestosa coruja branca dos olhos azuis vem a minha mente, eu sabia que tinha visto aquele olhar em algum lugar.
- Foi por isso que não deixei que te enterrassem lá no Conselho, eu precisava de Cristhian pela primeira vez na minha vida. Eu não podia nem te ver, para não levantar suspeitas sobre você, eles não podiam saber que você estava viva e era parte vampiro, iam te matar. Por isso confiei em Cristhian para te proteger.
De repente fico com raiva:
- Ele é nosso inimigo pai! Você não devia ter confiado nele.
- Não me arrependo. - Diz balançando a cabeça. - Ele te ressuscitou.
Saber que Cristhian fazia parte disso me deixou abalada, eu o odiava acima de tudo. Minha mão estava fechado em punho tão fortemente que ameaçou a sair sangue.
- Eles descobriram filha, sabem que você está viva! - Diz frustrado, fico aterrorizada com isso, vão me mandar matar com certeza. - Um dos membros viram você entrar na loja da madame Sucata e sentiu seu cheiro de vampiro. Eles exigiram resposta e eu tive que contar.
Seus ombros caem, eu  nunca o tinha visto tão abalado, ele sempre teve o controle de tudo, até dele mesmo. De alguma forma, apesar do que ele fez, eu me sinto culpada. Nunca fui boa o suficiente.
- Eu tive que sair da presidência, agora quem está é outro. No início eles quiseram te matar, mas como ele é meu amigo encontrou uma saída e quer te ver. Por isso eu vim.
- Uma saída? - Repito sem acreditar.
- Não sei o que ele planeja, mas é para beneficio dos FAE. Ele quer te encontrar amanhã logo cedo.
Olho para ele receosa e ainda sem querer acreditar em tudo o que ouvi.
- Talvez ele quer me matar, pode ser uma armadilha.
- Não é.
- Como o senhor sabe?- Pergunto já irritada.
- Apenas sei.
Aí. Que frustrante!
Um silêncio se apodera do lugar. Estou decidindo se devo ir ou não, mas meu pai decide por mim.
- Você não tem escolha Camilly, se você não for vão te procurar até te matar.
Solto um suspiro cansado.
- Tudo bem. Eu vou. - Decido ainda em dúvida da minha escolha. Mas não tenho opção.
Ele apenas assente, agora sem expressão. De volta ao velho pai novamente.
Ele olha para frente para a pamonharia de bambu, seu olhar parece distante.
- Eu sinto muito. - Digo arrependida. - Causei todo aquele estrago porque fracassei na minha primeira Missão, agora, por consequência o senhor paga pelos meus erros.
Ele me olha, seus olhos carinhosos de pai me deixa comovida.
- Por você eu faria tudo de novo filha. - Diz sério. - E aliás já estou muito velho e já estava tempo demais liderando os FAE, agora não terei que me preocupar com muita coisa.
Sorrio.
- Então você nunca me abandonou como eu tinha pensado. - Falo, minha voz sai embargada.
- Sempre estive com você, era necessário tudo aquilo acontecer para sua própria proteção. Naquele momento a ameaça maior nem era os vampiros, e sim nosso próprio povo. Eles iam te destroçar.
Estremeço.
- Eu sei.
- Você tem que voltar. - Ele desencosta do capô e pega minha mão me guiando para a porta do carro.
- Você precisa voltar, já está tarde, nenhum vampiro pode descobrir que você está viva. Não vai ser bom descobrirem que você é híbrida. Sabe as consequências né?
Balanço a cabeça amedrontada. Não existe lugar para híbridos de FAE e vampiros nesse mundo, eles estão todos extintos. Todos eles foram exterminados.
Entro para o carro depois de dar um abraço no meu pai, olho ele entrar no seu, ele vai pelo lado oposto da pista que estou indo.
Pensamentos sobre a nossa conversa nublam minha mente. O que será que o novo líder dos FAE quer comigo?
Sei que coisa boa não é, principalmente se o novo líder for quem eu estou pensando que é.
A essa altura todos os FAE sabem quem eu sou. Uma centelha de esperança de ver meus amigos novamente se ascende em mim. Eu quero tanto ver eles, embora eu não saiba como eles reagiriam ao me ver.
Um baque atrás no meu carro faz eu perder o controle do volante por um momento agonizante. Olho para trás com o coração na mão.
Meu coração acelera em um ritmo alarmante ao ver os três lobisomens correrem como cães raivosos atrás do carro.
Um deles pula na traseira fazendo ele dar um solavanco para frente, minha cabeça vai junto e por pouco não bato a testa no vidro.
Seguro o volante com força e aumento a velocidade.
A BR está vazia não há nada a não ser...
Um grito sai da minha boca ao ver quatro vampiros prarados a alguns metros a frente. Freio o carro de uma vez, vejo ele rodando e meu estômago ameaça a colocar a comida pra fora. Cacos de vidro voam direto para meu rosto.
Eu grito tanto que minha garganta quase sai pra fora.
Finalmente o carro para de cabeça para baixo. Tento sem sucesso soltar o sinto de segurança.
Eles estão chegando, sinto sua energia assim como seu cheiro.
Fico apavorada o que torna mais difícil de tirar o cinto já que minhas mas estão trêmulas.
Clic.
O cinto solta e eu caio com a cabeça no teto, sinto pequenos cacos de vidro entrar na carne da minha mão. Não ligo, com muito esforço consigo sair do carro e sem nem pensar corro floresta a dentro.
Ouço os passos deles atrás de mim me perseguindo.
Tento correr mais rápido, porém com tanto galho me atrapalhando torna-se quase impossível.
Meu coração está a mil.
Sinto meu corpo enrijecer com uma presença. Ainda correndo olho para a minha esquerda. Cristhian. Está quase me alcançando. O pavor me faz correr ainda mais, sei que os lobos e os outros dois vampiros estão atrás de mim.
- Não adianta correr! - Ouço ele gritar.
Eu sabia que ele era um traidor, meu pai nunca devia ter confiado nele. Ele vai me matar.
Os vampiros e os lobos me cercam e eu sou obrigada a parar. Minhas mãos estão trêmulas.

Continua...

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⏰ Última atualização: Aug 19, 2018 ⏰

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