Mais um dia nessa merda de vida, nessa porcaria de escola. Às vezes, só queria que a minha vida acabasse de vez e que eu não precisasse olhar pra cara de ninguém. São tantos problemas, tantas decepções... Morrer seria a melhor saída. Sempre penso se alguém sentiria a minha falta e em todas as vezes a resposta foi a mesma. Não. Ninguém sentiria a minha falta. Absolutamente ninguém. Nem a minha própria mãe, tá preocupada comigo. Deve ter dado graças aos céus por eu ter saído de casa. Depois da nossa última briga, coisa que já é comum, resolvi sair de casa e ir morar em outra cidade com a minha tia. Apesar de eu ter amigos aqui, a solidão ainda me acompanha. Parece que esse vazio, nunca vai me deixar. A minha família, mal sabe que eu existo. Principalmente agora, que todos sabem quem eu sou de verdade. Ou quem eles acham que eu sou. A ovelha negra. A pessoa que vai te levar pro mau caminho. Só pelo simples fato de eu gostar de mulheres. Bando de hipócritas e moralistas de merda. Mas não me importo com o que eles pensam, porque a vida é minha e eu faço com ela o que eu quiser.
Suspiro e me levanto, indo até o professor de Artes, para mostrar o desenho que fiz pra Feira Cultural.
Desenhar é o meu melhor talento. Se bem que não tenho muitos. Mas fazer um rabisco em um papel qualquer, me acalma e faz com que eu esqueça, pelo menos por um tempo, os meus fantasmas internos. Aqueles medos que não saem de mim.
- Está muito bom, Marina.- diz meu professor.
- Valeu.
Pego meu caderno e quando estou voltando para a minha carteira, ouço alguém me chamar.
- Ei!
Olho em direção a voz e vejo uma menina de óculos e toda sorridente olhando pra mim.
- Sim?
- Posso ver seu desenho?
- Claro.
Abro novamente o caderno e mostro pra ela meus desenhos.
- Que lindos. Queria muito saber desenhar.
- Obrigada.
- Eu me chamo Verônica. E você?
- Marina.
Ela me retribui com um sorriso lindo e cheio de covinhas.
Volto para o meu lugar e espero ansiosamente o intervalo. Duas aulas depois, finalmente o sinal toca e somos liberados.
Não gosto de ficar passeando pelos corredores com aquele monte de alunos, então resolvo ir para a biblioteca e me distrair lendo algum livro.
Abro a porta e dou de cara exatamente com a pessoa que ficou na minha cabeça, a aula passada inteirinha.
Acabo me distraindo e derrubo alguns livros.
- P*rra
Verônica percebe minha presença e vem em minha direção. Pego os livros do chão e os coloco de volta na prateleira.
- Oi. De novo- diz ela sorrindo
- Eai?
- Veio ver algum livro em especial?
- Não, não.
- Ata.
Ela volta a olhar os livros e eu faço o mesmo.
- Marina?
- O quê?
- Qual seu gênero preferido?
- Não tenho. E você?
- Chuta.
- Romance?
Ela sorrir e balança a cabeça.
- Bem clichê.
- Eu gosto de clichês. Mas você veio morar aqui agora?
- É. Eu já morei aqui há um tempo atrás e voltei agora.
- Não lembro de você.
- Eu não saía muito.
- Aa.
- E você, mora aqui há muito tempo?
- Desde que eu nasci.
- Quanto tempo, então?
- 16 anos.
- Novinha você.
- É. Qual a sua idade?
- 19.
- Você já é maior?
- Já.
- Fico imaginando os meus 18. Ser maior é tudo isso que falam?
- Talvez. Tem a parte boa e a ruim.
- Qual a boa?
- Posso fazer tudo o que eu quiser. Ir pra qualquer lugar.
- E a ruim?
- Você é bem curiosa né?
- Um pouquinho. Gosto de perguntas.
- Menina das perguntas.- murmuro.
- Bem isso.- diz rindo.
- E respondendo sua pergunta, o lado ruim é que as pessoas começam a dizer que você tem que consegui um trabalho e blá blá blá. Essa conversinha, sabe?
- Posso imaginar.
- Você é meio nerd, certo?
- Certo. Por quê?
- Sei lá. Eu tenho essa impressão.
- Você desenha bem.
- É. Gosta de fazer alguma coisa? Desenho, pintura..
- Escrever. Uma das minhas maiores paixões.
- Não gosto muito.
- Tem irmãos?
- Tenho três irmãos.
- Homens?
- 2 mulheres e 1 homem.
- Qual o nome deles?
- Carla, Cássia e Mário.
- Que leeegal- diz batendo pequenas palminhas. Sorrio com a expressão dela.
- E você?
- Sou filha única.
- Sério?
- Umhum.
- Que merda, hein. Deve ser chato.
- Não é não.
- Quais as vantagens?
- Muitas. Mas tô com tanta preguiça de falar, sabe?
- Sei não.
- Chata.- diz ficando bravinha.
Linda, ela.
Nesse momento ouvimos o sinal de voltar pra sala, tocar.
- Hora de aula. Você vem?
- Não.- respondo. Não estou com saco pra assistir duas aulas insuportáveis de Química.
- Então tá. Até mais.
- Até.
Fico na sala por mais algum tempo, até que decido ir embora. Vou até a sala, pego minha mochila e me mando.
Chego em casa e vou direto pro meu quarto. Deito na cama e fico olhando pro teto. Nunca pude chamar algum lugar de lar. Quando era criança, minha mãe vivia se mudando e eu não tinha tempo pra me acostumar com nada.
Perdida em pensamentos, acabo adormecendo e sonhando com a menina das perguntas. Nesse sonho, ela me dizia o quanto gosta de mim e como me quer por perto. E me pedia pra beija-lá, mas no momento em que eu ia cumprir seu pedido, acordo. Que bosta! Me levanto e pego meu celular. Vejo algumas mensagens, mas minha cabeça sempre volta pro sonho. Imagino como deve ser aqueles lábios. Como deve ser beijar aquela boca. Imagino nosso primeiro beijo. Ela parece ser tão tímida e ingênua. Penso se ficaria envergonhada. Para! Sou muito idiota mesmo, pra ficar imaginando essas bobagens. Que viadagem. Tenho que aceitar, que ninguém iria querer ficar comigo. Todas as pessoas se afastam ou vão embora do nada. Sempre é assim.
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Duas Em Uma (Conto Lésbico)
Short StoryEla é tudo aquilo que ninguém quer por perto. Às pessoas se afastam por medo do "diferente". Perguntam qual o seu problema e ela simplesmente responde: Nada, ué. Só que esse nada, é na verdade, tudo. A depressão que toma conta dela. O vazio que já f...