Capítulo 2

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Summer

Ninguém nos avisa que antes de "abandonar" o colégio existe uma etapa chamada semana infernal de provas, e para piorar no último dia desse terror fomos premiados com prova de matemática. Sinceramente não consigo entender a razão de sua existência, respeito, mas não entendo, ela aparece sempre com um enredo atraente, mas quando menos se espera somos surpreendidos com enunciados totalmente sem nexo, do tipo: "Joãozinho foi à mercearia comprar cinco laranjas, voltou com duas bananas e uma maçã. Levando em consideração que em um triângulo retângulo a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa, qual a raiz quadrada de seis dividido por X?". Tudo bem, não é tão complexo assim, mas geralmente segue essa linha de raciocínio. Após entrar na sala, respiro fundo antes de encarar os fatos, pego a prova e minha primeira reação ao ver as perguntas é desistir da viagem, pois conseguir terminar de responder no tempo determinado e tirar uma boa nota é no mínimo impossível.

Apoio à lapiseira sobre a mesa e leio com calma cada enunciado. Respondo às questões sem confiar nos resultados e entrego as folhas para a professora. Depois de três horas de tormenta, me surpreendi com o resultado, não foi um dez, porém foi o bastante para me ver livre dessa fase. E quando deixo as instalações do colégio, percebo que não sentirei falta de absolutamente nada desse período, nenhuma memória sequer. Aproveito a sensação de alívio durante meu percurso para casa, e assim que chego dedico o restante do dia para arrumar as roupas nas malas e organizar alguns livros para doação. Finalizo tudo faltando poucas horas para a saída do meu voo, mas papai além de estar atrasado, não atende as minhas ligações, tento contato com o homem seguidas vezes enquanto confiro os documentos e quando estou prestes a entrar em colapso ele finalmente atende.

- Papai, onde o senhor está? – Pergunto assim que ele atende.

- Na empresa. – Ele responde friamente.

- O senhor não me levará ao aeroporto?

- Sim, mas não é amanhã?

- Não é hoje. COMO O SENHOR PÔDE ESQUECER, PAPAI?

- Abaixa esse tom mocinha, não sou seus amigos.

- Desculpe, pensei que poderia contar com o senhor.

- Não tem como alterar o horário do seu voo?

- Não. – Provavelmente teria como alterar, mas quero chegar a São Paulo o quanto antes.

- Liga para sua tia e peça para ela te levar.

- Ok.

Assim que desligo a ligação procuro o contato dela na agenda, porém ao invés disso encontro o número da Natália aleatoriamente, não sei quando salvei o telefone da minha prima, mas medidas extremas pede soluções extremas, então aperto o botão de chamar e por alguma razão sinto meu coração quase saindo pela boca.

- Oi meu anjo, tudo bem?

- Tudo sim.

- Em que posso ajudar?

- Tem como você perguntar para a titia se ela pode me levar no aeroporto?

- Não estou em casa, Summer.

- Ok, obrigada.

- Espera.

- O que foi?

- Eu te levo.

- Não precisa.

- Deixe de bobeira.

- Pode ser.

- Até daqui a pouco.

Não foi necessário mais do que dez minutos para a buzina alertar sua chegada, após trancar a casa caminho para o carro apressadamente, jogo as malas de qualquer jeito no banco de trás antes de se sentar ao seu lado.

- Boa tarde, estranha.

- Olá. – Respondo forçando um sorriso.

- Podemos?

- Sim.

Natália dá partida, e aproveito sua atenção no trânsito para observar os traços delicados das poucas tatuagens expostas em seu corpo, uma em especial atrai meu olhar por um longo tempo, tento ignorar o desenho, porém minha curiosidade não permite.

- O que há de errado?

- Nada. – Viro a cabeça para frente e só então percebo que chegamos. - Tenho que ir, obrigada pela carona. – Impulsiono o corpo para abrir a porta, mas sou interrompida no meio do processo pela sua mão segurando meu braço delicadamente, tento puxá-lo, mas ela não permite e direciona meus dedos para a flor esboçada no seu pescoço.

- Você gostou? – Questiona acariciando os meus dedos, mas ao invés de responder, permaneço hipnotizada nos traços, e não me refiro aos da tatuagem. – Pode ser sincera, eu não mordo, Summer.

- E-eu gost-ei.

- Fico feliz, as tulipas são minhas flores preferidas, apesar de não entender o significado por trás de cada espécie. – Ela sorri gentilmente, tira a chave da ignição e caminha para fora do carro em direção ao porta-malas.

- Não precisava abrir o porta-malas, minha bagagem está no banco de trás. – Esclareço, quando desço do veículo.

- Estou pegando as minhas.

- Vai viajar?

- Vou sim. – Ela me olha surpresa. – Bom, aparentemente nosso tio não te contou a história completa.

- Que história?

- Vamos trabalhar juntas. Surpresa.

- Parece que ele ocultou alguns detalhes.

- Sei que não gosta da minha presença, mas o que acha de tentar começar do zero e estabelecer uma boa relação?

- Ok. – Respondo meio perdida com as novas informações.

- Só isso?

- Sim. – Afirmo, caminhando em direção à entrada do aeroporto com ela em meu encalço.

Todo o processo de embarque demorou cerca de trinta minutos, mas logo o avião decolou. Durante toda a viagem não consegui devido a quantidade de pensamentos me incomodando. Quando finalmente aterrissamos em São Paulo já era madrugada, e meu corpo clamava por uma cama, e quase caindo de sono meu primeiro impulso assim que saímos do aeroporto foi caminhar até o táxi parado há alguns metros de distância.

- Até segunda Natália, obrigada por me escoltar. – Me despeço entrando no taxi.

- Pode me agradecer quando tivermos realmente chegado. – Diz entrando no carro e passando o endereço para o senhor.

- NÃO ME DIGA QUE VAMOS MORAR JUNTAS?

- Suas atitudes não condizem com suas palavras.

- Eu, eu...

- Summer, você precisa se acalmar.

"Summer como você já sabe a filha da sua tia Rose foi deportada do Canadá e chegou ontem na cidade, mantenha distância dela, não quero você se misturando com esse tipo de gente"

Apesar de não ter nada contra minha prima, diferente do meu pai que a repudia por causa de sua orientação sexual, eu não sei como agir com as novas informações, é tudo muito novo.

- EU... – Tento formular alguma frase, mas sou interrompida com um beijo perigosamente perto da minha boca.

- Desculpe, mas você entrou em pânico e eu não sabia o que fazer.

- Por favor, não faça mais isso. – Peço, tocando a região que há pouco tempo seus lábios estiveram, para só então desviar minha atenção para qualquer lugar que não fosse seus olhos penetrantes.

- Ok. Te asseguro que não voltará a acontecer, a menos que você queira.

- Obrigada.

FRAGMENTOS - AMOSTRAOnde histórias criam vida. Descubra agora