Capítulo 2: O Começo do Caminho

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O tempo era curto, insistiam, mas Adriel não se importava de correr para compensar este fato. Sentia-se – jovem – livre com o vento levantando seus cabelos. O coração apertava, certamente, ainda mais ao se lembrar do que havia deixado para trás, mas sempre se sentira assim antes de realizações importantes. Ademais, o que poderia haver de tão hipnotizante e perigoso neste caminho? O bicho-papão era apenas uma história para amedrontar criancinhas e há muito o medo fora expelido de sua vida; um toque adulto que ele apreciava.

Sobrados de cores cinzas e argilosas erguiam-se dos dois lados da rua pela qual corria, pacatos e aparentemente inabitados. Talvez fossem as casas de pessoas que uma vez viveram naquele limbo sobre o qual Raphael e Lucas não muito falaram. O frio crescia, eriçando os pelos dos braços, mas o escuro ainda não se aproximara; o tom poente era o dono do céu. Existia apenas um caminho a ser percorrido – à esquerda – no final da rua, direcionando para o almejado monte de quartzito.

À medida que caminhava, os rostos das pessoas que ele deixara para trás voltavam aos pensamentos, fazendo-o questionar a sabedoria própria decisão. Ao dobrar a esquina, porém, percebeu que não os deixara por um passeio qualquer (como é confusa a cabeça de um homem atormentado pelas suas próprias escolhas).

Sua vontade era de continuar a corrida – o tempo é curto! – e chegar logo ao topo, mas suas pernas não corresponderam. Vacilantes, pararam de se mover, atendendo ao pedido de seus olhos, deslumbrados com a vista que presenciavam. Uma imensa basílica toda ornamentada com pedras preciosas postava-se em sua frente, rodeada por uma verdíssima grama e diversas árvores floridas, lembrando a estrutura do próprio Taj Mahal. Como não era possível vê-la de onde estava com Lucas e Raphael? Deus! Era enorme e tão bela! Circundando a basílica, flutuavam várias notas sonoras de tamanhos humanos, pretas e reluzentes, produzindo um calmo som no local; o som de sinos, pianos, harpas e os mais finos instrumentos criados pela humanidade.

Adriel fechou os olhos, deleitando-se com o banho musical. Conhecia muito bem a música sempre presente em suas listas elaboradas para relaxá-lo em momentos tensos, de estresse e ansiedade. Chopin não precisava dizer uma palavra para acalmar seus ânimos. Recordava-se de momentos em que andava à noite na rua deserta com os fones no ouvido, deliciando-se com os toques. Não importava se fossem bons ou maus momentos que precediam estas caminhadas, havia sempre lágrimas e sorrisos e seu coração voltava ao ritmo normal.

Feliz com a música, começou a caminhar em direção ao incrível monumento. Admirado, extasiado e hipnotizado. O som ampliava-se, adentrando suas artérias e regando seu corpo por dentro, criando um aquecimento celestial no centro de seu peito. O tempo passava e o sol descia em algum ponto do horizonte.

Não era o bicho-papão ou o medo que atrapalhava sua busca, e sim a ilusão do divino, a sensação do divino. Os homens tendem muito facilmente a abrir mão de tudo pelo que lutam, tudo o que buscam, por um ápice de prazer. Um desapercebido momento de êxtase pode – e geralmente o faz – desviar os maiores homens de seus mais nobres objetivos. Mesmo que um prazer banal. Quantas vezes um pai de família, voltando com o dinheiro do brinquedo de seu filho (ou pior, da comida de sua família), não se deparou com a imagem de um bar reluzente, chamando-o para pôr os lábios na bebida em que ele jurara nunca mais tocar? Quantas vezes ele sucumbira? Adriel não percebia, mas adentrava de forma ingênua na primeira das armadilhas.

O caminho é tortuoso e engana a maioria dos que por ele se aventuram. O caminho é moldado pelos seus anseios, seus medos, suas lembranças...

Suas vontades vestidas e disfarçadas de diversos modos. O lugar representava seu desejo por sentir-se protegido, um desejo que ele compartilhou com outra pessoa uma outra hora. Uma pessoa com quem discutia sobre o quão magnífico seria visitar um lugar que o fizesse se sentir espiritualmente protegido e aquecido.

Aproximou-se, resvalando sobre as muitas árvores baixas da entrada, e deitou a mão sobre um dos brancos pilares, que seguravam os grifos de mármore, próximos à basílica, abraçando-o em seguida. A música despertava tal desejo.

Lenissa amaria este lugar..., pensou, e afastou-se em seguida, lembrando-se da imagem de Lenissa parada na festa com seus longos e cheios cabelos ruivos. Lembrou-se do primeiro beijo que deram, doce e frio nos lábios em um dia alaranjado num parque, quando ele mal se importara de deitar ao chão. Pensava que morreria naqueles lábios, que os seguiria onde quer que fossem. Isso fora há quanto tempo? Ele mal sabia dizer. Dois anos? Três anos? Mais? Teria a oportunidade de saborear aqueles lábios outra vez? Ela sempre trazia uma bala de cereja na boca. Às vezes, quando comprava desta bala momentos depois, um calor o aquietava, lembrando-o dos quentes braços de Lenissa e do som de seu riso. E, afundando-se nessa lembrança, notou que mal sabia o motivo de terem parado de se ver, parado de se encontrar. Há quanto tempo nem trocavam uma palavra? E, abraçado no pilar, ele divagava pensando na possibilidade de vê-la em sua festa de despedida, pensando em como seria estar com ela naquele momento. Servi-la uma bebida e vê-la sorrir uma outra vez... mas...

O que estou fazendo?, questionou-se, afastando-se do pilar. O tempo era curto! Sua juventude se esvaía e ele insistia em cometer os mesmos erros que cometera em outros momentos.

Tudo ou nada!

E o clima arrefeceu, a música parou e o dia dava os primeiros sinais de que não muito mais ficaria. O lugar não mais parecia divino e a basílica possuía o mesmo ar de "local inabitado" que as outras construções. Era como se o mesmo lugar houvesse perdido a magia, como se refletisse o que Adriel se sentia.

E o vislumbre passara.

Amedrontado e culpando-se, circundou os olhos ao seu redor procurando a continuação do caminho. Ele estremecia com a certeza de que mal se aproximava do sopé. Seria possível voltar? Voltar e aproveitar os últimos momentos de sua festa? Oh, como ele desejaria que fosse! Como em outros momentos de sua vida, arrependera-se de sua decisão minutos (ou seriam horas? Naquele lugar era difícil dizer) após tê-la tomado.

Então olhou para trás, mas seu medo se concretizou: o caminho por onde viera já não mais existia.

(Conviva com suas escolhas, meu amigo!)

Deus! –gritou, levando as mãos à cabeça.

Mas antes de se jogar ao chão, notou à esquerda da basílica alguns degraus; um conjunto de luminárias – como gigantes pirulitos dourados – fora aceso, revelando o caminho. A saída!, pensou, e retornou ao seu rápido passo, recuperando a esperança de encontrar o Velho Mago e salvar sua juventude.

Alguns conseguiram e se mantêm jovens até hoje.

Mas ele conseguiria?

Ao final da pequena escada, encontrou uma porta. Nesta havia um número: 303.

Antes de descer a maçaneta, pensou em Lenissa outra vez. A porta adquiriu o tom ruivo alaranjado de seus cabelos, causando-lhe um aperto no coração.

Conviva com suas escolhas, meu amigo...

O Pecado da JuventudeOnde histórias criam vida. Descubra agora