Capítulo 6: O Barranco

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E seguindo, Adriel vislumbrou pela primeira vez o topo do monte, onde supostamente residia o Velho Mago, por entre várias árvores que circundavam o cenário no qual aterrissara.

Amém.

Restava-lhe seguir seu caminho por mais um tempo. Sentia-se como se houvesse passado uma década; e, de certo modo, passara. As cenas que presenciara eram apenas o epicentro de toda uma fase de sua vida, o terremoto que eles ocasionaram se estendia por anos; sua percepção era a mesma de uma cientista que observa um resultado de um experimento, mas sabe de tudo que acontecera para chegar ali. Apenas segundos podem durar os experimentos, e para os olhares dos que o veem pela primeira, apenas segundos se passaram de fato, mas o cientista que realizou o feito se lembra de todos os meses trabalhando, vivendo, fazendo de tudo para tornar aquele instante possível.

Mas Adriel não se sentia cansado, pois, observando o cume do morro, sentiu que talvez a salvação fosse de fato possível; isso o fez sorrir por um breve momento.

Uma pequena trilha traçada por pisca-piscas rosas, vermelhos e azuis seguia apontando para um pequeno relevo em meio a mata em que se encontrava. Ouviam-se duas vozes não estranhas e ao fundo uma música eletrônica completava o som ambiente.

Aproximando-se, Adriel notou que uma das vozes o pertencia, o que não era de toda surpresa; a outra provinha de uma linda jovem que trajava calças roxas e um casaco azulado, como seus longos e lisos cabelos escuros. Ele se sentava junto a ela na beirada de um barranco em uma clareira envolta por vários arbustos e flores; observavam a lua, as estrelas e a cidade que alastrava no horizonte, tendendo ao infinito com suas luzes se destacando na noite. Outro oásis de lembranças em meio a um mundo quase intocado.

Adriel procurou evitá-los, passando sorrateiramente por eles, mas seria impossível não ouvir sobre o que falavam.

– Será que veremos alguma estrela cadente hoje? – a garota perguntava, apontando para o céu.

– Certamente – o seu eu mais jovem respondeu.

Houve um segundo de silêncio. As mãos dos jovens se entrelaçaram e olhos de Adriel capturaram o momento.

– Você acredita em amor eterno? – a moça perguntou.

– Acredito que nosso amor será eterno.

O casal se abraçou selando o amor puro e inocente que protagonizavam.

(Tal como todos os outros, Adriel... tal como todos os outros.)

Mas se ele se lembrava com tanto amor daquele momento, não teria se tornado de alguma forma eterno? Talvez outro amor houvesse se apossado daquele primeiro, mas aquele amor era, com toda a certeza, eterno. Adriel ainda o sentia em seu peito ao ver a cena; sentia-o vivo.

De certo era apenas um devaneio de um homem envelhecendo e dourando suas antigas lembranças. Ou talvez estivesse mesmo coexistindo e sentido o seu próprio sentimento outra vez. Fora gostoso e reconfortante sentir aquele calor na altura do estômago, tendo a certeza de que havia amor verdadeiro em sua vida e em sua juventude.

E desviou os olhos, sorrindo com um pouco de tristeza. Agora entendia, ou pensava de algum modo que todos amores são eternos, em maior ou menor grau; não saberia dizer, porém, se melhor seria apaixonar-se apenas uma vez na vida. Todos os amores contribuíram para sua vida; todas as paixões tornaram-no o que era. Se isso era bom ou não, ele não saberia dizer. Mas era a verdade. Ele sentia isso. Trazia um pouco de todas aquelas pessoas pelas quais se apaixonara, de todas as pessoas que conhecera; trazia um pouco de cada uma em seus átomos. Talvez ele não coexistisse apenas consigo mesmo.

Talvez coexistisse com todos e tudo fosse uno.

Mas, independentemente do que fosse, Adriel sabia que a felicidade e a tristeza provenientes de uma paixão nunca se extinguem das lembranças e do coração.

Ouvindo o sorriso dos puros jovens, seguiu em meio às árvores, deixando seu passado para trás – mas não tanto. A música ampliava e era possível ver alguns rostos conhecidos à medida que a mata desaparecia e uma antiga casa amarela com um toque psicodélico e pinceladas coloniais surgia.

Os olhos que o encontravam surgindo do meio do nada não o reconheciam, a despeito de ele saber nomear cada um dos que ali estavam. Viam-no como apenas algum louco que havia surgido do nada, levando-o a pensar se não havia voltado no tempo em todas aquelas vezes e se em algum ponto do tempo ou do espaço, ele estava passando por lá. Ou se tudo acontecia em sua cabeça. Ou em outro mundo!

Mas fazia diferença?

Muita. Ou nenhuma. Pensar em todas essas possibilidades apenas o faria enlouquecer. Felizes são os ignorantes, felizes são aqueles que não são atormentados pela incerteza do desconhecido e pelo inexplicável.

Fora da casa, no quintal que estava, o som abafava as vozes, mas o vinho barato nas mãos de cada um fazia com que levantassem a voz de forma que Adriel podia ouvi-los.

Quem é esse cara? – um rapaz de óculos perguntou para uma moça do lado.

Não faço ideia!

E Adriel se lembrou das palavras que ouvira no começo de sua jornada com dor e arrependimento à medida que se aproximava da casa – seu caminho certamente passaria por ela, visto que não muito à sua frente o cume do morro apontava.

Estas pessoas que ali estão não pertencem a você, e sim ao seu passado, sua juventude.

Estaria ele fadado ao esquecimento e à dor da velhice? Quão cruel era o Velho Mago! Retiraria todas aquelas pessoas de sua vida?

Como poderia o Velho Mago permitir que as pessoas sofressem de tal forma? E mais do que culpar o ancião habitante da montanha, culpava a si mesmo. Deixara os sorrisos convidativos do começo da jornada por olhares que não o reconheciam.

Você devia ter aproveitado sua despedida, Adriel! Com o pensamento sempre focado no futuro e perdido no passado, você estará fadado a nunca aproveitar o presente. Não há nada de errado em viver nos sonhos, desde que você esteja sonhando, mas o único tempo que você pode viver em seu mundo é o presente. Não o passado. Não o futuro. Apenas o presente, Adriel. Por que insistir tanto no imutável? Por quê?

Adriel se aproximou da porta, triste pelos olhares curiosos que não o reconheciam e, ao abri-la, não era um interior que o aguardava.

E o tempo continuava passando; Adriel não sabia qual dor era maior: o medo de falhar ou o arrependimento pelo que negara.


O Pecado da JuventudeOnde histórias criam vida. Descubra agora