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- Lente, câmera, carregador, cartão de memória... - checo tudo pela última vez, provavelmente com uma careta horrorosa, antes de ir para o aniversário fotografar.

O aniversário vai ser de um menino, a comemoração, dos seus cinco anos. Sobre aniversários infantis: amo.

Saio de casa quando percebo que o Uber chegou. Hoje irei sozinha, pois a Paula - a colega que me acompanha- vai fotografar outro aniversário, que por acaso é  dez anos mais velho do que o que  eu vou fotografar.

Conheci a Paula na fila do banco, quando eu tinha acabado de fazer meu cartão e não sabia como mexer no treco que sai dinheiro.

- Primeira vez no banco?- ela me perguntou, mexendo em alguns botões  que haviam.

- É  né, acho que sorte de principiante não  se aplica nesse caso - dei um sorriso amarelo. -Fiz ontem -chacoalhei o cartão na cara da moça.

- Sua senha - ela falou abrindo espaço  para eu colocar minha senha.

- Photografia com "ph" - falei não  me importando em falar a senha para um desconhecido, a moça não  tinha cara de bandida.

- Gosta de fotografar?

-Uhum, por que? - respondi com cara de paisagem.

-Por que estou com um novo estúdio e preciso de ajudantes fotógrafos.

-Mas eu não...- lembrei que o salário da dona Cármen não dava pra muito e acabei omitindo o fato de eu nunca ter pego numa câmera profissional. - Eu não vejo a hora de começar lá - estampei um sorriso empolgado, com um toque de desespero.

- Ótimo ! Você começa  amanhã nesse endereço - falou me dando um cartãozinho , e dando as costas para ir embora.

- É..- falei olhando pro nada - a gente se vê lá...meudeusqueloucura.

E foi assim que arranjei o bico de fotógrafa. Os primeiros dias foram horríveis, as fotos saiam borradas, e os clientes viviam pedindo o dinheiro  de volta, mas pedi outra chance a Paula e fui aperfeiçoando cada dia mais, até  chegar aqui : na porta de um aniversário  de cinco anos , que por algum motivo é  com o tema selva.
 
***

O salão de festa era chique o bastante para a classe daquela família, classe média alta. A decoração estava muito linda , não  muito diferente de outros aniversários que já  fui, mas no padrão. Mesa de doces, bolo, saquinhos e lembranças.

Parei de observar quando lembrei que estava ali para trabalhar. Me agachei,  pus minha mochila no chão, e peguei minha lente - resolvi trazer a maior, para pegar ângulos bons e em longas distâncias. A lente tinha vinte e cinco centímetros, e com certeza era perfeita para a ocasião.

Me posicionei em frente  a mesa do bolo e comecei a tirar algumas fotos dali. Poucos minutos depois , Lucas - o aniversariante -chega , fica atrás do bolo , fazendo sinais engraçados , como o do rock, dos surfistas e da paz e amor acompanhado de caretas.

-Lucas meu filho, aprenda a tirar foto! - a mãe fala com a voz fina e enjoada, quase implorando. - Ou meu Deus esse garoto nunca vai ganhar jeito na vida!

- Calma dona Flávia, isso é  coisa de criança  mesmo, já  estou acostumada- falo tentando a acalmar - Chame os parentes para tirar foto com ele.

-SÓ AS TIAS, AS TIAS VENHAM TIRAR FOTO COM O LUCAS!- ela grita com um sotaque carioca batendo palmas no meio do salão.

Em poucos minutos várias mulheres se posicionam ao redor do garoto e eu me preparo para tirar a foto.

-Tudo bem, agora digam todos "XIIS"! - falei.

-XXII..

-AH POR FAVOR MARLENE..-olhamos todos para o lado para ver quem tinha atrapalhado o nosso XIS maravilhoso- VAMOS TIRAR FOTO COM O LUQUINHAS! Eu prometo que vai ser só  uma...- dona Flávia  puxa o braço de uma tia tentando convecê-la a tirar foto.

-Eu vou, mas só uma. -rapidamente todos comemoram com palmas.

Pelo o que vi essa mulher tem pavor de fotos.

-TUDO BEM VAMOS CONTINUAR- gritei tentando parar a conversa daquelas tias.

Todas pararam de conversar e olharam para mim, fizeram  o "xis" maravilhoso e eu bati a foto.

-Espero que você tenha me deixado magra, viu garota - uma tia rechonchudinha me alertou quando estava voltando para seu lugar.

Quando vi que todas voltaram para os seus lugares, peguei discretamente um docinho na mesa de doces

Era brigadeiro. Era irresistível.

Tirei outras fotos do Lucas sozinho , e graças ao meu bom Deus ele parou de fazer os sinais estranhos com as mãos.

Depois veio os tios , logo após os amigos - que só  Jesus para me ajudar a controlar aquele bando de crianças,  que queriam  estourar os balões e o próprio aniversariante queria meter a cara do amiguinho no bolo.

- Crianças, abram um sorriso bem lindo para a câmera - falei tentando organizar todos para a foto, no mesmo instante todos fizeram cara de tédio, e eu bati a foto, não foi bem como eu imaginava, mas enfim.

Comecei a andar pelo salão  para tirar foto de cada mesa, apesar que quase ninguém prestou atenção nas fotos.

Afinal, quem iria preferir uma foto a comida ?!

No caminho para o meu lugar peguei uns salgadinhos maravilhosos que serviram e fui me preparar para o Parabéns.

-GENTE HORA DO PARABÉNS -dona Flávia gritou chamando os familiares.

-As crianças do lado do aniversariante e  adultos...adultos. - falei meio perdida em como organizar aquele monte de pessoas para todos aparecerem na foto.

Vários familiares estavam preparados,para  registrar o momento. E eu juntamente com eles, para tirar as fotos.

- PARABÉNS PRAA VOCÊ, NESTA DAATA QUERIDAA, MUITAS FEE-LI-CI-DA-DES, MUITOS AANOS DE VIDA! - todos familiares cantavam empolgados.
- É BIG! É BIG! É BIG! É BIG! É BIG! É HORA! É HORA! É HORA! É HORA! É HORA! RÁ! TIM! BUM! LUCAS! LUCAS! LUCAS!

Lucas soprou a vela com toda sua força, e no mesmo momento, eu tirei a foto dele se esgotando para apagar uma vela.

- É pavê ou pacumê? - Um tiozão apontou para o BOLO rindo de se acabar com a típica piada do PAVÊ.

- Mas isso não é um pavê, tio. - um garoto falou e o tiozão murchou.

Todos estavam voltando para seus lugares para receber o bolo, quando minha câmera alertou.

"Armazenamento insuficiente".

Lembrei que não tinha transferido algumas fotos do aniversário passado para o computador, então tinha que buscar o cartão de memória em minha mochila.

Virei - me para trás juntamente com minha câmera presa ao pescoço e de lente gigante, e sem notar que havia a presença de uma mesa ali, acabo batendo acidentalmente na cabeça de alguém. A pancada foi alta e forte.

- AI MEU DEUS! ME DESCULPE, EU SINTO MUITO, MUITO MESMO. - falei desesperada virando para a pessoa - MACHUCOU?

Claro que não, Ana Alice, só arrombou a cabeça do garoto - sim, era um garoto.-  Minha câmera alerta novamente que está sem armazenamento, e resolvo pegar o cartão.

-ME DESCULPE MESMO - grito olhando para o garoto, e vou pegar o cartão de memória, fugindo assim do mico que passei.

Pego o cartão  de memória, termino de tirar as últimas fotos, começam a distribuir as lembranças, e a dona Flávia vem em minha direção com uma na mão.

- Aqui ó, pra tu - estendeu a lembrança para mim.

-Obrigada dona Flávia, foi um prazer fotografar vocês, para mais momentos assim, é só ligar para esse número no cartãozinho, ou visitar esse endereço no mesmo. - dei o cartão  de visita pra ela, juntamente com minha fala ensaiada, recolhi as coisas e fui embora.

Ana Alice [Projeto Futuro]Onde histórias criam vida. Descubra agora