Sangue e Mar

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Havia uma beleza na ilha, havia uma beleza em estar cercado pelo mar e ter uma vista tão privilegiada de Auradon.
Era algo que os habitantes de Auradon nunca viam com frequência, mas Gil podia fazer isto a qualquer hora.
Harry ou Uma nunca haviam entendido o sentido deste pensamento seu.
Os mares eram quase sempre calmos, as luzes de Auradon eram sempre um espetáculo e enquanto Uma sempre repetia o quanto odiava todos que estavam por a excluirem disso, Gil gostava de pensar que era excluído porque as pessoas nunca sequer queriam se manter proximas o suficiente dele para dar uma chance a ele de mostrar o que tinha algo bom a oferecer.
Mas ele não odiava mortalmente a ilha, ele não fugiria correndo de lá se fosse dada a chance, ele se sentia confortável. Aquele era seu lar.
Gil perdia-se nas horas a beira de algum prédio, de madrugada, olhando o céu enquanto os primeiros raios de sol começavam a surgir.
O céu tomava um azul cada vez mais claro, um tom bonito que crescia e parecia submegir toda a ilha nele. Deixava-o calmo e nostálgico.
E deprimido, e preenchido de sensações que ele não podia explicar
E ele estava sempre só, e ninguém poderia sequer entende-lo, e ninguém via o que ele tinha por dentro.
Mas talvez isso fosse o melhor. Se ele tivesse alguém então certamente não perderia horas observando o dia e a noite.

Gil olhou para trás, estava no bar, estava perdido em pensamentos quando sentiu um aperto quente de mãos grandes demais para serem de alguma mulher.
Mãos pequenas demais para serem de algum de seus irmãos.
Ele ja sabia quem era, Harry sempre cheirava ao mar e a sangue.
Depois havia a risada, as gargalhadas sem nexo que subiam por seu pescoço branco e limpo e derramavam-se pelos seus labios vermelhos e tão bem desenhados. Para o filho de um pirata, Harry poderia ser um modelo famoso. Ele sorria um de seus sorrisos mais debochados e olhou para Gil como se olhasse para um cachorro machucado.
Mas não haviam cães na ilha, e Harry Gancho não teria piedade de um que estivesse machucado.
Ou teria? Gil sempre duvidou da personalidade de Harry, sempre com seus altos e baixos. Harry passava sempre uma imagem brutal e caótica, desprendida. Mas Gil nunca tinha certeza de como descrever o príncipe pirata.
Uma achava, como sempre, que já havia visto do que ele era feito. Mas Gil achava que Harry era muito mais do que os olhos podiam ver.
Harry era um iceberg e seus segredos estavam submergidos em água gelada
Harry tinha tantas emoções, tantas arestas e vértices, mais do que se da pra contar e mais do que se da pra ver.
Ele era complexo com seus episódios de fúria mixados em segundos e olhares de carinho disfarçados de ironia.
Gil não sabia o quanto Harry o considerava, mas Gil lutava a cada segundo para que Harry soubesse o quanto era importante.
Ele tinha olhos muito claros, muito grandes. O lápis de olho apenas servia para dar mais destaque.
Seus olhos indicavam emoções muito simples, mas tinham uma forma distinta de demonstra-las.
Gil notou que Harry falava sem parar, sua boca se mechia sem parar e seu hálito quente de alcool misturado com menta estava em toda parte.
-Você sequer tá me ouvindo? Eu acabei de limpar o gancho mas to pensando em usar ele em você.
Gil balançou a cabeça rapidamente, Harry estava com o gancho perigosamente próximo de seu rosto.
-O que deu em você? Porque não responde? Qual seu problema?
A voz de Harry subia a cada pergunta
-Nada. Não foi nada.. O que você quer?
Harry franziu o cenho
-Você chega aqui, não fala com ninguém e corre pra cá, e fica parado igual um idiota olhando pra esse troço. O que quer que eu pense? Uma me mandou aqui pra verificar se seu unico neurônio não havia pifado também.
-Esse troço é um livro. E eu to bem.
Gil se virou e Harry rodeou ele, parando de frente pra ele e agachando e ficando da altura de Gil sentado.
Ele levantou o gancho que segurava e começou a deslizar pelos cabelos de Gil.
-Se virar as costas pra mim de novo, vou te pendurar num gancho no teto no navio do meu pai.
Gil olhou pra ele, mas permaneceu em silêncio.
-Eu só quero saber se está bem.
Harry usou seu tom mais doce, parecia quase se importar. Gil desistiu e fechou o livrinho.
-Eu to otimo. E você?
-Eu estou fabulosamente bem.
Harry respondeu com uma voz fina e um sorriso faiscante. E continuou.
-O que vai fazer mais tarde?
-Vou só.. fazer absolutamente nada.
-Eu e Uma vamos sair
-É mesmo?
Com "Eu e Uma" Harry queria dizer que Uma sairia e ele iria rodopiar atrás roubando e saqueando tudo em volta.
-Sim.
-Você não prefere ficar e me ajudar a limpar as mesas?
Harry se sentou numa cadeira ao lado de Gil, examinando seu gancho.
-Na verdade. Sou indispensavel, você sabe que Uma precisa de minha presença.
-Na verdade, Gancho, eu não preciso.
Uma surgiu do nada, com seus longos cabelos azuis esvoaçando atrás dela. Usando trajes fabulosos e segurando uma bandeija com dois copos muito grandes de alguma bebida provavelmente altamente alcoólica e um copo pequeno com algo escuro que era provavelmente café.
Ela colocou a bandeija na mesa e puxou uma cadeira, sentando com eles.
Ela sorriu para Gil antes de agarrar sua caneca e beber.
Harry, que havia se recuperado do mini-ataque cardiaco causado pelo surgimento inesperado de Uma, agarrou seu copo e bebeu a cerveja.
Gil se perguntava como eles não estavam bebados. Ele odiava bebidas alcoólicas, o que, para seus irmãos e pai, era uma afronta.
Uma apenas achava patético e Harry não opinava.
Gil achava seguro. Ele odiaria andar bebado pelas ruas da ilha. Ele já não se considerava muito perspicaz, sem seus sentidos devia ser uma catastrofe.
Seu copo, de fato, continha mesmo café, porem amargo e forte.
Ele odiava, e fez uma careta enquanto Uma gargalhou. Harry sorriu junto e Gil revirou os olhos, desviando o olhar em seguida.
Harry olhou para Uma, que respirou fundo enquanto tentava parar de rir
-Harry você fica aqui hoje. Fazendo algo de útil e tendo certeza de que Gil faça também.
E eu vou sozinha resolver um assunto particular. Entendidos?
Harry abriu a boca para discordar, mas ela não deu tempo e saiu cantarolando alguma canção.
Harry se voltou para Gil, que ainda lutava pra beber todo o café.
-Ah, que ótimo.
Harry virou seu copo, bebendo tudo em poucos goles.

A Vida Secreta De Gil LeGume.Onde histórias criam vida. Descubra agora