Capítulo 2

3.5K 428 290
                                    

OU: O ESTRESSE DE ARIEL

BERNARDO


Já fazia um tempo que meus pais vinham enchendo meu saco sobre arrumar um emprego. Meu pai até que não via nenhum problema em pagar minha faculdade, mas achava que, o fato de eu pedir dinheiro até para comprar meu lanche, era um pouco demais, então quando eu disse que conseguiria conciliar a faculdade com um trabalho, ele correu e arrumou um pra mim.

Agora estou empregado em uma livraria, o que é meio estranho já que eu nunca gostei de ler e, na verdade, até zoava junto com meus amigos, (pelas costas, claro) um colega nosso que era viciado em ler e estava a todo o momento com um livro nas mãos — o mais irônico de tudo isso é que esse mesmo colega da escola agora é meu colega de trabalho e, como ele trabalha na livraria há muito mais tempo que eu, será o responsável por me dar o treinamento.

Paro em frente à Livraria — que é exatamente o nome do lugar, e só agora reparo o quão criativo o Sr. Rocha foi ao colocar esse nome — faltando cinco minutos para as oito da manhã e fico esperando o chefe chegar para abrir a porta. Uns dez minutos depois, o meu ex-colega de escola e atual colega de trabalho, Ariel, chega montado em sua bicicleta. Ele desce rapidamente e vai até uma grade perto da entrada da livraria e tranca a bicicleta.

— Você não chegou aqui antes das oito, não é?! — Ele pergunta indo até a porta e a destrancando.

— Uns cinco minutos.

Ele entra e estende a porta para que eu entre também.

— O Sr. Rocha só vem aqui nas quintas e sextas, aí nesses dias você vai encontrar a loja aberta no horário exato. Nos outros dias, eu chego alguns minutos atrasado, mas ele não se importa.

Concordo com a cabeça e, sem saber o que devo fazer, sigo até o balcão onde fica a caixa registradora.

— Ah é, eu preciso te falar o que você tem que fazer — comenta com cara de quem não vai achar nem um pouco legal ficar me mandando fazer qualquer coisa que seja. — Vamos ao estoque, eu vou dar uma resumida.

Seguimos em direção a uma porta nos fundos da loja, ao lado do escritório do Sr. Rocha, e entramos numa grande sala lotada com grandes caixas de papelão branco.

— Nessas caixas lacradas têm novos livros. São lançamentos ou livros que estavam em falta. Você abre as caixas, pega uns dez exemplares de cada e leva lá pra frente pra gente arrumar nas prateleiras.

— Como eu vou levar mais de dez livros de uma vez? — questiono, achando a tarefa um tanto quanto chata.

Ele então se vira e dá um passo em direção a uma estante, pisa em algo que eu não consigo ver e acaba escorregando, batendo com o traseiro no chão.

Me seguro muito para não rir.

— Tudo bem? — pergunto sem sair do lugar.

— Tudo. — Ele se levanta o mais rápido que pode, pega na estante uma cesta de plástico parecida com aquelas cestas de supermercado e volta olhando para o chão. Ele está vermelho como um tomate maduro e isso deixa toda a cena ainda mais cômica. — Usa isto.

Pego a cesta e, depois que ele sai da sala, coloco a gola da camisa sobre a boca pra tentar abafar minha risada.

Junto na cesta a quantidade de livros que cabe em seu interior e respiro fundo antes de sair do estoque, preciso evitar rir quando olhar para Ariel — mas, ao fazer isso, acabo inalando bastante poeira no ar da sala e eu começo a tossir descontroladamente.

— Eu não sei muito bem o que é rinite — Ariel fala quando apareço tossindo. — Mas, tenho uma teoria de que acomete mais as pessoas que trabalham com livros.

Ele me guia até uma estante, que fica na parede do lado inverso ao do balcão, e começa a me explicar como arrumar os livros.

— Nesse espaço cabem uns quatro livros, você coloca eles em pé, com as capas viradas para fora... É só isso. — E então volta andando para o balcão.

Enquanto pego os livros e começo a arrumá-los, percebo que caberiam mais exemplares se eles fossem colocados deitados, com a lombada virada para a fora, e decido colocá-los assim — também arrumo os outros que já estavam na estante do canto. No fim, cabem uns sete livros em cada espaço individual.

Espero Ariel terminar de atender alguns clientes para ir até ele perguntar o que devo fazer agora.

— A gente não precisa limpar de verdade nada aqui na livraria porque o Sr. Rocha contrata um pessoal que vem limpar no final de semana — explica enquanto sai de trás do balcão. — Mas... — Ele para de falar ao olhar para o outro lado da loja. — Você colocou os livros errados e mudou os outros que já estavam na estante.

— Não... é que colocando assim cabem mais livros na estante, e assim não fica tanta coisa mofando no estoque.

— Olha Bernardo, as pessoas precisam ver a capa do livro ao passarem pela estante. — Ele parece estar ficando chateado.

Ando até a estante, pego o primeiro livro de um empilhamento e o coloco em pé sobre os outros, com a capa virada em minha direção, saio da frente para que Ariel possa olhar.

— Pronto — digo. — Apesar de sempre achar que não deveríamos julgar um livro pela capa.

— Nós sempre arrumamos daquela forma mas, já que você acha que pode chegar mudando tudo, deixa assim que o Sr. Rocha opina quando vier à livraria.

— Tudo bem por mim.

Então, ele anda até o fundo da loja e volta com um espanador murmurando algo sobre onde eu deveria passá-lo — nossa, ele ficou realmente estressado, penso rindo internamente, e o problema é que eu achei toda essa situação engraçada.

Começo a limpar nos lugares que Ariel me falou e, de repente, sinto meu telefone vibrar no bolso. Vejo que Ariel está ocupado e atendo a ligação.

— Cara, você se deu super bem! — Jorge, meu amigo da faculdade, diz assim que eu atendo e por um breve momento penso que está falando sobre o meu emprego, mas lembro de que não falei para ele sobre isso, então não tem como esse ser o assunto.

— Com o quê?

— Uma amiga de um amigo meu, viu no Facebook aquela nossa foto no seminário de estágio e ficou super afim de você. Marquei um encontro entre vocês dois no sábado.

— Não acredito que você fez isso!

Jorge e a namorada terminaram um relacionamento de dois anos no mês passado, e durante uma de nossas conversas — onde ele mais falava do que ouvia — eu acabei soltando que nunca gostei de ninguém nesse sentido, então ele decidiu que iria me ajudar a conhecer alguém para que eu "descubra o que é a paixão".

— Calma cara, ela é super legal, tenho certeza de que vão se dar bem. — fala todo animado e então desliga.

Continuo limpando, mas percebo que Ariel está me vigiando. Acho que ele percebeu que eu estava falando ao telefone, me seguro para não rir da careta dele.

O Crush Supremo [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora