SAINDO DE CASA

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  "Mãe, me ajuda aqui com as malas por favor?" foi a frase com que eu comecei o meu dia, eu não tinha dormido de ansiedade e por isso fiquei pensando a noite toda como seria viver longe da minha mãe do meu pai, e até do meu irmão chato. Mas estava na hora, e eu nem acreditava nisso.
  Quando minha mãe entrou no meu quarto, eu percebi que não fui a única a perder o sono durante a noite. Linda Holday estava com bolsas enormes embaixo dos olhos, e esses estavam vermelhos de tanto chorar (aposto que meu pai também não tinha dormido direito), mas mesmo assim ela não quis demonstrar para mim o que sentia e disse com sua voz firme de sempre:
  --E aí, no que você quer que eu te ajude?
  --Na verdade, em nada, eu só queria falar com você um pouquinho a sós, pode ser?-- e antes que ela respondesse, eu já estava falando, pra não começar a chorar, eu queria parecer tão forte quanto minha mãe -- Olha, eu sei que essa vai ser uma mudança bem drástica para todos nós e...-- nessa hora minha garganta já começava a apertar -- e eu sei que a tia Ted vai cuidar de mim, mas eu quero que saiba que eu te amo muito mamãe, e que eu vou sentir muito a sua falta.
  Nessa hora eu já estava chorando e abraçava minha mãe e, naquele momento, eu vi uma das raras vezes em que minha mãe chorou na minha frente. Ela não disse nada por alguns instantes e ficamos só nós duas no meu quarto chorando e nos abraçando. Então ela disse:
  --Nunca pensei que esse momento chegaria...que você iria sair de casa e viver nesse mundo sozinha... É claro que eu sabia que um dia, mais cedo ou mais tarde, meu passarinho bateria as asas e voaria pra fora do ninho, só não tinha ideia do quão difícil seria deixar você voar. Ainda bem que o seu irmão não pretende sair daqui tão cedo, se não eu iria pirar. Também vou sentir sua falta e também te amo, minha querida.
  Com essas palavras, eu já estava chorando horrores, e não conseguia fazer mais nada a não ser abraçá-la o mais forte do que jamais a abracei, e ela retribuiu tão forte quanto.

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  Depois que me recompus, saí com as malas do quarto e as levei até o carro, meus pais e meu irmão gêmeo Josh já estavam me esperando, mas eu parei por um instante, olhei para trás e vi a casa que passei boa parte da minha infância e adolescência, lembrei dos momentos felizes que passei ali e chorei (de novo), dessa vez foi meu pai quem me abraçou forte, ele não disse nada, mas não precisava, só seu abraço forte bastava para eu me sentir segura.

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  Já dentro do carro e a caminho da rodoviária, meu irmão falava como uma matraca, em como ele iria transformar o meu quarto em uma sala de jogos para ele e seus amigos enquanto minha mãe discutia com ele, dizendo que ele nunca poderia fazer isso, já que eu voltaria nos feriados prolongados e nas férias.
  Meu pai só dava risada da situação e não se atrevia em entrar na discussão, ele nunca foi de falar muito, e eu puxei ele nesse aspecto, tem horas que a gente não precisa interferir na conversa dos outros.
  Enquanto minha mãe e meu irmão discutiam, eu fiquei imersa em meus pensamentos e não percebi que estava chorando até meu irmão me cutucar (numa vã tentativa de me fazer cócegas), eu acordei e vi que estavam todos me encarando, aí falei o óbvio:
  --Vou sentir saudades.

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  Assim que eu terminei de limpar o catarro que escorre pelo meu nariz sempre que eu choro (eca!), chegamos na rodoviária. Enquanto meus pais estavam comprando minha passagem, eu e Josh tirávamos as malas do carro, ele reclamava da quantidade de bagagem que eu estava levando, e eu figia que não estava ouvindo nada das suas reclamações. Ao terminar, ele fez uma coisa que me deixou tão surpresa quanto feliz, ele me abraçou e disse:
  --Por mais que eu odeie admitir isso, vou sentir  sua falta maninha -- ele fez um cascudo na minha cabeça e disse -- Que ninguém saiba que eu disse isso, ok?
  Sorri entre lágrimas e concordei abraçando ele de novo. Muitas vezes eu briguei com ele por coisas tão bobas que pareciam não ter relevância nenhuma agora, mas isso é coisa de irmãos e eu sentiria falta dele, principalmente de suas piadas sem graça. Apesar de sermos gêmeos, nunca fomos parecidos em nada, tinha gente que nem acreditava se éramos parentes mesmo, eu era tão certinha e centrada que ninguém me relacionava com o Joshua bagunceiro, engraçado, extrovertido, popular e sem noção.

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  Dentro do ônibus, sentia que iria explodir a qualquer momento. Do lado de fora estava a minha família fazendo o que sempre fez de melhor, dar uma de "coração de gelo", tendo um coração mole que nem manteiga derretida. Ao lado deles estava a senhora Sweet, nem ligando para os olhares de soslaio que recebia por causa do escândalo dramático ao se despedir do seu "amado filhinho que foi influenciado pela malévola da Kristine, para levá-lo para longe dela".

   Olsen Tyler Sweet, era meu melhor amigo desde que cheguei na cidade quando tinha nove anos, o pessoal achava ele esquisito por causa do aparelho que ele usava para corrigir a fala, eu não vou mentir, achei um pouco estranho quando vi aquele negócio enorme na boca de um garoto, mas eu nunca liguei para a aparência das pessoas, sempre gostei de pessoas excluídas e que não tinham muitos amigos, por isso eu me tornava amiga delas, essas eram as pessoas mais legais do mundo. Tyler não era feio, apesar de ser mais alto e magro que o comum, ele tinha traços distintos e muito bonitos, principalmente sua pele, ai que pele perfeita daquele moleque! Moreno, pele lisinha, sem nenhuma espinha, sempre tive inveja dessa herança genética dele, isso fora o cabelo cacheado que ele nem penteava, enfim, ele era lindo do jeitinho dele.
 

Quando a senhora Sweet finalmente largou o Tyler (porque o motorista estava ficando impaciente), seu ataque de choros ficou mais intenso, minha mãe foi ficar ao lado dela para confortá-la e dizer alguma coisa e, por mais incrível que pareça, ela abraçou a minha mãe e as duas choraram juntas. Aquela cena me deixou completamente pasma, e quando eu olhei para o meu pai, vi uma lágrima escapar e ele limpar rapidamente, isso me chocou ainda mais e eu quase gritei "gente, eu tô de mudança, isso não quer dizer que vocês nunca mais vão me ver, se acalmem!", mas me contive, eu entendia o que eles estavam sentindo.
  Nesse momento Tyler já estava se acomodando do meu lado e acenando pela janela. Todos lá fora começaram a acenar quase que instantaneamente, e assim o ônibus saiu da rodoviária, deixando minha família e a cidade em que eu vivi por tantos anos para trás.

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  Só percebi o quanto estava chorando quando Ty me cutucou e disse:
  --Por favor, limpa essa meleca toda e para de chorar, você sabe como fica horrível quando chora.
  --Tem um lencinho aí? Os meus acabaram.-- Ele bufou, mas me deu um mesmo assim, sempre cuidadoso.-- Obrigada! Você sempre cuida de mim não é?
  --Kris, você é como uma irmã pra mim, não tem como eu não cuidar e, principalmente, se não fosse por você, eu não estaria aqui. Foi você quem convenceu minha mãe a me deixar estudar fora dessa cidade, onde, sinceramente eu não vou ter sucesso...
  --Ei, eu te conheço muito bem pra você tentar me enganar, o que foi?--ele estava tentando parecer tranquilo, mas não estava, eu sempre sabia por causa de uma ruga incomum na pele morena perfeita.
  --Como você sabe?--ele sempre me perguntava.
  --  Tenho poderes para isso...-- foi o que sempre respondi,porque se eu revelasse o segredo, tenho certeza que ele se controlaria.--Fala, o que foi? É a sua mãe?
  Ele suspirou e eu praticamente ouvi as engrenagens dele girando a toda velocidade, ele realmente estava chateado. Eu estava tão concentrada nele que perdi a noção de quanto tempo fiquei observando, quando ele finalmente falou, percebi que sua voz estava embargada:
  -- Eu não deveria ter deixado ela sozinha em casa com meu irmão, desde que meu pai morreu ela tem sido mais protetora que o normal, acho que eu deveria ter ficado pra cuidar de casa...-- foi aí que eu percebi que tinha arrastado ele até lá comigo, desde que o conheci, foi o que fiz, o arrastei para os meus planos, sem perguntar se ELE queria, então eu disse a coisa que eu sabia a resposta, mas não queria admitir.
  --Você quer voltar?
  Ele olhou pra mim surpreso, e disse ainda mais surpreso:
  --Sim...
  Eu sorri pra ele, triste, mas compreendia, agora eu compreendia, foi assim que aconteceu um dos maiores desapegos da minha vida.
  Como estávamos no meio do caminho e não dava pra pedir ao motorista que ele parasse, conversamos bastante e resolvemos que ele ligaria para a mãe dele assim que chegássemos. Pus os fones de ouvido e dormi o resto da viagem, nunca tinha me sentido tão bem e tão mal quanto naquele momento.

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