III

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O chão gélido e húmido parecia ter íman. O meu corpo não queria descolar dele, mas a minha falta de força também impelia para que isso não acontecesse. O meu rosto estava totalmente encharcado, não só por o meu cabelo ainda estar imensamente molhado, mas porque a água que transbordava do canto dos meus olhos parecia não dar tréguas. As torneiras abertas no meu corpo não fechavam, ao contrário do meu coração, que estava trancado a sete chaves, totalmente despedaçado.

Chorava descontroladamente, com a testa encostada no sebento chão de cimento, de pernas encolhidas, que mesmo estando cobertas por o meu mais recente outfit alanrajado, conseguia sentir o fresco na minha pele. Era como se de minuto em minuto, os meus ouvidos recordassem a sonoridade arrepiante da porta da cela a enclausurar, juntamente com o tilintar das chaves a embaterem umas nas outras. Um pequeno gesto que servira para me deixar atordoada com a minha nova realidade que eu não queria crer.

Uma realidade onde eu iria ter que lutar a todo o custo para sobreviver.

Eu sentia-me, literalmente, gelada de uma ponta à outra da minha constituição física. O meu exterior estava frio, mas o meu interior... Oh! Esse estava completamente gelado. Era como se o meu sangue se estivesse a evaporar e o meu coração soltasse escassos cubos de gelo para rondarem nas minhas veias. O meu cérebro não processava nada de bom e recusava-se a situar. Não havia nada que passasse em frente aos meus olhos, a não ser os detalhes dos episódios das últimas vinte e quatro horas.

As vinte e quatro horas que estragaram toda a minha vida.

— Daqui a nada vou ter pedir braçadeiras aos guardas para poder dormir na cela.

Uma voz melódica soou no interior da cela, assustando-me. Naquele mero segundo, travei o choro e fiz o maior esforço que consegui para erguir a cabeça e abrir os olhos. As minhas órbitas levaram tempo a focar o que quer que fosse, devido à água levemente salgada que desabava nas linhas verticais do meu nariz. Mas assim que o fizeram, eu pude ficar a conhecer o local onde estava.

Era uma cela desprovida e quase vazia, apenas com um pequeno armário de metal de cor bege, um minúsculo lavatório de porcelana branca e duas camas de metal enferrujado, uma em cada canto. O tecto e as paredes, iludiam terem sido limpos à pouco tempo, reluzindo um brilho horrível. Eram um brilho de sujidade viscosa que escorria por cima do bolor nascido, e não de limpeza. O cheiro a mofo era ainda mais deplorável em cada inspiração feita por os meus pulmões.

Oh mãe, onde estão os teus produtos de limpeza que cheiravam divinamente bem?

E foi quando eu vi, uma mulher negra, sentada com a maior descontracção na cama do canto esquerdo, encarando-me como se eu fosse uma aberração. Diria até que ela se queria rir da minha cara. Talvez a minha figura não fosse das melhores.

— Levanta-te do chão antes que os guardas abram as celas para o jantar e te vejam nesse estado. — Voltou a falar. — Vai ser pior para ti.

A minha cabeça queria, mas o meu corpo não obedecia. Gesticulava lentamente, tentando erguer o tronco para me ajudar a sair do chão, mas eu não tinha impulso para o fazer. Um suspiro forte surgiu ao mesmo tempo do chiar da cama. Ela andava agora na minha direcção e estendia a sua mão desidratada para mim, oferecendo-me ajuda.

— Obrigada. — Murmurei depois de conseguir equilibrar toda a minha fraca estrutura nas pernas.

— Podes deitar-te nessa cama, ela vai ser a tua. — Indicou-me a cama da direita, enquanto ela se voltou a jogar para a da esquerda. Eu queria evitar qualquer contacto naquele espaço imundo, mas eu estava tão fraca, que qualquer lugar plano era ótimo para mim. Sentei-me na cama, que porventura, chiava com qualquer moção, onde me reencostei na pequena cabeceira metálica. — Com quem tenho o prazer de estar a partilhar a minha cela?

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