Capítulo 4

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— Sobre o capô. Eu vou me divertir um pouco agora.

Os movimentos bruscos pressionavam ainda mais as minhas costelas fraturadas contra o metal, triplicando a dor, o que facilitava o cumprimento da ordem. Não que tal ordem não me enchesse ainda mais de ódio, mas ao menos me dava a possibilidade de gritar sem derramar o que eu achava ser a última gota de dignidade existente em mim.

— Pare!

— Acorde. Está tudo bem, já acabou.

Meu cérebro demorou alguns momentos para registrar onde eu estava e quem me chacoalhava pelos ombros. Quando percebi que eram os olhos do meu pai me observando e sua voz jurando que eu estava seguro, cobri o rosto com as mãos, tentando esconder as lágrimas e abafar os soluços que escapavam sem permissão cada vez que aquele pesadelo se repetia.

As cenas revividas variavam e todas traziam o mesmo terror. Aquela, porém, era a que mais me abalava. Por precisar daquele contato, permiti que ele me puxasse para cima e me abraçasse, como fazia quando eu era criança e precisava de consolo.

— Eu sou seu pai, não tem motivo pra ter vergonha. — O som de tapas nas costas encobria a culpa expressa na voz. — Me fale sobre esse pesadelo, Augusto.

Eu nunca tinha falado sobre aquilo e queria descobrir se ele se sentiria do mesmo jeito que eu, mas o constrangimento era grande demais para mim. Então fiquei calado, tentando empurrar as memórias de volta para o abismo de onde elas haviam saído. Era como se não admitir em voz alta fizesse tudo não passar de um pesadelo.

Após me acalmar, pedi a meu pai para ficar sozinho, e ele não insistiu em fazer perguntas. O relógio na parede marcava pouco mais das duas da manhã, mas eu sabia que a noite estava perdida para mim e que havia muita tensão acumulada, então coloquei um agasalho sobre o moletom, peguei meus fones de ouvido e fui até a academia no jardim.

Uma batida agitada tocava nos fones enquanto eu gastava energia na esteira. A minha playlist era definida pelo meu estado de espírito. Quanto mais para baixo eu me sentia, mais agitada era a música, evitando assim mais sentimentos sombrios. Por vezes, a tática funcionava, e eu me sentia minimamente melhor.

Ao amanhecer, as únicas pessoas que saberiam das minhas lágrimas seriam os meus pais, os outros veriam somente o que eu quisesse mostrar. Durante o café da manhã, nós três fingiríamos que nada havia acontecido. Era um acordo silencioso que tínhamos após uma noite conturbada.

Ainda assim, eu nunca conseguia encará-los nos olhos.


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