— Sobre o capô. Eu vou me divertir um pouco agora.
Os movimentos bruscos pressionavam ainda mais as minhas costelas fraturadas contra o metal, triplicando a dor, o que facilitava o cumprimento da ordem. Não que tal ordem não me enchesse ainda mais de ódio, mas ao menos me dava a possibilidade de gritar sem derramar o que eu achava ser a última gota de dignidade existente em mim.
— Pare!
— Acorde. Está tudo bem, já acabou.
Meu cérebro demorou alguns momentos para registrar onde eu estava e quem me chacoalhava pelos ombros. Quando percebi que eram os olhos do meu pai me observando e sua voz jurando que eu estava seguro, cobri o rosto com as mãos, tentando esconder as lágrimas e abafar os soluços que escapavam sem permissão cada vez que aquele pesadelo se repetia.
As cenas revividas variavam e todas traziam o mesmo terror. Aquela, porém, era a que mais me abalava. Por precisar daquele contato, permiti que ele me puxasse para cima e me abraçasse, como fazia quando eu era criança e precisava de consolo.
— Eu sou seu pai, não tem motivo pra ter vergonha. — O som de tapas nas costas encobria a culpa expressa na voz. — Me fale sobre esse pesadelo, Augusto.
Eu nunca tinha falado sobre aquilo e queria descobrir se ele se sentiria do mesmo jeito que eu, mas o constrangimento era grande demais para mim. Então fiquei calado, tentando empurrar as memórias de volta para o abismo de onde elas haviam saído. Era como se não admitir em voz alta fizesse tudo não passar de um pesadelo.
Após me acalmar, pedi a meu pai para ficar sozinho, e ele não insistiu em fazer perguntas. O relógio na parede marcava pouco mais das duas da manhã, mas eu sabia que a noite estava perdida para mim e que havia muita tensão acumulada, então coloquei um agasalho sobre o moletom, peguei meus fones de ouvido e fui até a academia no jardim.
Uma batida agitada tocava nos fones enquanto eu gastava energia na esteira. A minha playlist era definida pelo meu estado de espírito. Quanto mais para baixo eu me sentia, mais agitada era a música, evitando assim mais sentimentos sombrios. Por vezes, a tática funcionava, e eu me sentia minimamente melhor.
Ao amanhecer, as únicas pessoas que saberiam das minhas lágrimas seriam os meus pais, os outros veriam somente o que eu quisesse mostrar. Durante o café da manhã, nós três fingiríamos que nada havia acontecido. Era um acordo silencioso que tínhamos após uma noite conturbada.
Ainda assim, eu nunca conseguia encará-los nos olhos.
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Recomeço (Amostra)
ChickLitUma experiência ruim é capaz de marcar para sempre a vida de uma pessoa. Augusto é um jovem que tinha toda a sua vida planejada e um futuro brilhante pela frente, até que um acontecimento o transformou, fazendo-o abandonar os seus sonhos e isolar-se...