Capítulo 2

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A semana passou. Pierre me ligou todos os dias e ainda mais hoje, era sábado de manhã e estava com ela no Liondarni Pubblici. Não sei o que me levou mas na quinta feira de noite, após mais uma visita dela ao estúdio, eu a chamei para me acompanhar no sábado. Talvez pensasse em como seu cabelo fosse contrastar com o verde das folhas. Ou talvez pensasse que devesse finalmente ter um encontro com alguém. Talvez só não quisesse aceitar que ainda a procurava no meio das outras pessoas, e precisava da Pierre ali, para me lembrar das noites passadas.

- Nem acredito que estamos fazendo um picnic, Zayn! Nunca me imaginei assim com você. - ela ria realmente feliz, enquanto se sentava na toalha estendida no chão. Tirei uma foto.

- Só chamei para tirarmos algumas fotos, você que quis trazer comida. - respondi e passei a olhar ao redor com a câmera em posição.

- Não estrague meus sonhos, ok? Pelo menos se sente um pouco e coma comigo. Talvez assim seu mau humor passe. - ela puxou a ponta da minha blusa, chamando minha atenção.

- Só um pouco. -sentei e passamos a comer.

- Ainda assim, você me chamou para passear com você. E pensar que ainda me perguntou por que não desisti. Esse era o motivo. As coisas acontecem sem que a gente perceba. - e lá estava de novo. Aquecendo-me com palavras que nunca imaginei saírem de sua boca.

- Não se ache tão importante assim. - tentei dissimular como aquelas palavras me fizeram vacilar. - Já está na hora de começar as fotos, termine logo.

E ela obedeceu. Terminamos de comer e fomos aproveitar a paisagem. Dava sugestões de poses, falava como a luz favorecia melhor seus olhos, deixava-a decidir o toque sensual que queria. Insinuava-se, aproveitava a atenção que eu possuía enquanto tirava suas fotos.

- Pierre, esse é o seu problema, você quer fazer tudo sexy! -reclamei, já irritado em tentar tirar uma foto dela no chafariz.

- Mas sou assim, Zayn, sexy! Você já devia perceber, já fizemos muitos trabalhos juntos. - soltou a barra do vestido que estava segurando e sentou irritada na beirada do chafariz. Aproveitei. -Ei! Não tire fotos minhas assim, não estava preparada.

- Não reclame, é assim que quero minhas fotos. - dei-lhe as costas e decidi que por hoje estava bom, não a queria mais. Agora estava na hora de registrar outros momentos.

- Não me de as costas, Zayn! Já estamos a horas tirando fotos, realmente estou cansada. - ela já estava ao meu lado.

- Hm - a puxei, beijando-a. Teria que a deixar feliz, para que me deixasse sozinho. - Vá embora agora. Só quero tirar mais algumas fotos.

- Só por que me pediu tão irresistivelmente. - sorriu mordendo o lábio inferior e se aproximou para sussurrar no meu ouvido - te espero no estúdio, 21h. Ainda são 14:35, acho que tem tempo o suficiente de terminar suas coisas.

- Até mais tarde. - dei um meio sorriso me despedindo e adentrando o parque.

Não sei dizer como passei 3 anos sem fotografar nas horas livres, sem buscar meus frames perfeitos. Sem encontrar o que valesse a pena passar para a tela com tinta. E era exatamente isso que fazia agora, relembrando aquela sensação de beleza, de perfeccionismo, de ansiedade para revelar as imagens e escolher quais pintar durante as madrugadas de insônia.

Andei por todo Liondarni, fotografava arvores, crianças, turistas. Captava todo o dourado do sol contra a água das fontes. Até que me vi novamente caminhando pelas calçadas de Veneza. E decidi que hoje faria diferente, Hoje veria o mundo por aquele caminho, por aquela gondola.

Foi uma loucura, uma decisão masoquista. Querer ser os olhos dela ao estarem fechados aproveitando o vento, a pele a sentir a falta do calor do sol ao passar por debaixo da ponte, a sensação de se virar e procurar quem a seguia. Queria olhar para trás uma vez e a encontrar ali, como ela me encontrou a dois anos atrás. Prometi a mim mesmo que nunca mais pensaria nela.

Caminhei até aquele canal, sempre registrando tudo, e encontrei uma gondola disponível o mais longe possível da temida ponte. Queria que o passeio durasse. Entrei, disse o destino e paguei. Sentei-me, observando como essa tarde lembrava tanto aquela. O passeio começou e continuei tirando fotos. Gravando para sempre aquela última lembrança que me permitiria sobre ela. Tão invisível e tão presente que me sentia louco.

Vi a ponte se aproximar pouco a pouco, senti o vento me açoitar e fechei os olhos, como ela. Senti o calor do sol diminuir e percebi a escuridão que ficou enquanto passávamos embaixo da ponte, como ela. E quando voltou a luz, olhei. Paralisei. Senti-me quebrar, ficar para trás. Senti algo meu cair para dentro das águas escuras daquele canal. Torpemente levantei a câmera e fotografei. Registrei o vazio que estava.

Engoli o nó que se formou, era o que eu tinha decidido. E o universo apenas me mostrou toda a razão que possuía ao escolher esquecer. Virei-me para frente e passei a bater fotos sem perceber ao certo o que captava. Apenas esperava o passeio terminar para fugir daquele lugar. Talvez nunca mais passasse ali.

...

Horas mais tarde Pierre dormia em cima do meu peito, enrolada em cobertores. Estávamos deitados no tapete, no centro do estúdio. Mesmo assim, com ela tão próxima a mim, me senti sozinho. Um frio me invadiu e decidi que era hora de levantar. A madrugada gelada pedia um café forte e quente, foi o que fiz na máquina que estava num pequeno cômodo que chamava de cozinha.

Passei por Pierre e a observei. Deitada de lado, abraçada a almofada, o torso parcialmente nu. Ela era melhor assim, enquanto dormia. Continuei caminhando, decidindo que seria melhor aproveitar a insônia. Fui para o quarto escuro, adiantar a revelação das fotos do dia. Essa era a diferença entre o lazer e o trabalho. O lazer tinha que ser prazeroso, e possuía uma paixão por revelar as fotos eu mesmo. Mais trabalhoso, porém mais pessoal. E essas fotos eram completamente minhas.

Deixei o café de lado e passei a preparar os materiais, separei os rolos de filmes e me pus a trabalhar. Quando o sono finalmente veio, todas as fotos já estavam penduradas para secar. As veria com calma amanhã, quando acordasse. Sai do quarto com cuidado e me deitei ao lado da loira, cobri-nos e lhe dei as costas. Dormi rapidamente.

- Za-yn... Umm, zayn.- ronronava em meu ouvido, me fazendo acordar aos poucos.

- Pierre, você ainda tá aqui? - empurrei-a um pouco, para poder me sentar.

- E não vou sair até um bom dia descente. - sentou-se em meu colo, deixando seu corpo nu a mostra.

- Hm, mas agora não. - a tirei de cima de mim e terminei de me levantar. - feche a porta quando sair, tenho algumas coisas pra fazer aqui ainda.

- Mas Za...

- Sem 'mas'. Não tem sentimentos aqui, nunca lhe disse nada, se lembra?

- Você me chamou para sair, viemos para seu estúdio! - ela começava a se irritar.

- Ok, e mais tarde podemos nos ver, se isso deixar você melhor. Mas agora você irá embora enquanto eu faço minhas coisas. - olhei-a sério, tratando de transmitir toda a certeza das minhas palavras.

- Não sei como corri atrás de você por tanto tempo. Sua sorte é que vale a pena! Desgraçado. - reclamava enquanto pegava as roupas espalhadas e entrava no banheiro, batendo a porta.

- Hm, maluca. - coloquei minha blusa que estava sobre o divã e fui para a cozinha. Mais um café. Ouvi Pierre gritar algo como 'melhor me procurar, ou vai ver só'. Ela sabia, e eu também, que não procuraria ela.

Na companhia do meu fiel café, me encaminhei até o quarto escuro. Deixei o copo no movél que tinha ao lado da porta, só entraria para pegar as fotos e sairia para sentar no sofá e ver tudo com atenção. E foi o que fiz. As janelas abertas, o frio entrando junto ao sol, sentado no sofá com o copo de café nas mãos e as fotos no meu colo. Olhava cada uma com extremo cuidado, enquanto jogava as indesejadas no chão e as poucas selecionadas ao meu lado.

Até que cheguei nelas, nas fotos tiradas enquanto andava na gondola. O mundo ao meu redor que fotografei sem perceber, enquanto olhava para frente atordoado. Olhei uma a uma, cada detalhe, cada rosto. Não sei se a atenção que prestava agora seria por não ter visto nada no momento ou por estar procurando ela. Passei mais uma foto e o copo foi ao chão.

Sujei o tapete, no qual tinha tido Pierre nas ultimas vezes. O vidro se espalhou por todo o lugar e, depois do som dele se espatifando, um silêncio mortal se estabeleceu. Agarrei-me aquelas ultimas fotos e passei-as rapidamente. Numa sequencia de 5 fotos, ali estava. Joguei todas as outras fora. Mais nenhuma me importava, nenhuma se comparava com estas.

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⏰ Última atualização: Sep 10, 2017 ⏰

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