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- Adivinha!

As mãos quentes e úmidas de Dallon apertam minhas bochechas, e seu anel, um crânio de preta escurecido, deixa uma marca de sujeira sobre minha pele. E mesmo que meus olhos estejam cobertos e fechados, sei que os cabelos dele, pretos, estão para cima bagunçados; um espartilho de vinil preto se sobrepõe a uma camisa de gola rulê - mantendo-se em conformidade com o código de vestimenta de nossa escola; a calça de cetim preto, apesar de nova já tem um furo próximo à bainha, de quando ele pisou com o bico das botas Doc Martens; os olhos parecem dourados, mas só porque ele está usando lentes de contato amarelas.

Também sei que o pai dele não está viajando "a trabalho", como ele mesmo disse; que o personal trainer de sua mãe é muito mais "personal" do que "trainer" e que o irmão caçula quebrou um CD dele, do Evanescence, e agora está com medo de contar.

Mas não sei isso tudo porque andei bisbilhotando a vida dela, nem porque alguém me contou. Sei porque tenho poderes sobrenaturais. 

- Anda logo, adivinha! Daqui a pouco o sinal vai tocar! - ele diz com a voz rouca, como se fumasse um maço de cigarros por dia, embora só tenha tentado fumar uma vez.

Enrolo um pouco enquanto penso na última pessoa com quem ele gostaria de ser confundido.

- Zac Efron?

- Eca! Vai, tenta de novo. - Ele aperta ainda mais forte, nem sequer desconfiando de que não preciso ver para saber.

- Será Marilyn Manson?

Ele ri e desencosta as mãos, e então lambe o polegar para apagar a tatuagem de sujeira em minha bochecha, mas levanto o braço antes que ele possa me alcançar. Não porque tenho nojo da saliva dele (quer dizer, sei que Dallon não tem doença nenhuma), mas porque não quero que encoste em mim novamente. O toque humano é muito revelador, muito cansativo, então procuro evitá-lo a todo custo.

Com um gesto rápido, ele tira o capuz de minha cabeça e aperta os olhos ao ver meus fones de ouvido.

- O que você está ouvindo?

Levo a mão ao bolsinho para iPod que costurei no capuz de todos os moletons (para esconder dos professores os tão conhecidos fiozinhos brancos) e entrego a ele o aparelho.

- Puxa... - ele diz com os olhos arregalados. - Quer dizer, que barulheira é essa? Quem é que está cantando isso?

Dallon se curva para que nós dois possamos ouvir Sid Vicious berrando sobre a anarquia no Reino Unido. Na verdade, nem sei se ele é favor ou contra. Sei apenas que berra o suficiente para dar uma acalmada em meus supersentidos.

- Sex Pistols - respondo, desligando o iPod e guardando-o de volta no esconderijo.

-Nem sei como você pôde me ouvir. - Dallon sorri ao mesmo tempo que o sinal toca.

Simplesmente dou de ombros. Não preciso escutar para ouvir. Claro, não é isso que digo a ele. Falo apenas que a gente vai se ver de novo na hora do almoço e vou para minha aula, atravessando o campus da escola e encolhendo-me ao intuir os dois garotos que se aproximam pelas costas de Dallon e pisam na bainha da calça dele - por pouco não o fazem cair. Mas quando ele se vira para trás, faz o sinal do Mal (certo, não é o sinal do Mal, mas algo que ele mesmo inventou) e os encara com aqueles olhos amarelos, eles imediatamente se afastam e o deixam em paz. Quanto a mim, suspiro aliviado e entro na sala de aula sabendo que não vai demorar muito até que eu deixe de sentir a energia persistente do toque de Dallon.

A caminho de meu lugar, no fundo da sala, desvio-me da bolsa que Stacia Miller deixou de propósito em meu caminho e ignoro a serenata que ela diariamente sussurra ao me ver - "Per-de-dor!". Em seguida, acomodo-me cadeira, tiro livro, caderno e caneta da mochila, coloco os fones de ouvido, visto o capuz, jogo a mochila na carteira vazia ao meu lado e espero pela chegada do sr. Robins.

O sr. Robins está sempre atrasado. Sobretudo porque gosta de tomar uns goles de seu cantil de prata entre uma aula e outra. Mas bebe apenas porque a mulher grita com ele o tempo todo, a filha o considera um fracassado e ele, quase sempre, detesta a própria vida. Descobri tudo isso em meu primeiro dia nesta escola, quando acidentalmente toquei na mão dele ao entregar o formulário de transferência. Agora, portanto, sempre que tenho de lhe entregar algo, deixo na beirada da mesa.

Fecho os olhos e espero, enquanto meus dedos deslizam pelo moletom, a ficar de trocar o barulhento Sid Vicious por algo mais leve, mais tranquilo. A gritaria de Sid não é mais necessária agora que estou na sala de aula. Acho que a relação entre professor e alunos ajuda a conter, pelo o menos até certo ponto, minha energia mediúnica.

Nem sempre fui essa bizarrice que sou hoje. Já fui um adolescente normal, do tipo que ia às festinhas da escola, se apaixonava em atrizes da televisão e praticava tanto esportes que tinha até um corpo atlético. Eu tinha mãe, pai, uma irmã caçula chamada Madison e uma cadela labrador amarela, fofíssima, de nome Buttercup. Morava numa casa agradável, num bairro bacana de Eugene, no Oregon. Era popular, feliz e mal podia esperar para chegar ao segundo ano, pois tinha acabado de me tornar chefe do time de basquete da escola. Minha vida era completa, e o céu era o limite. Essa história de céu pode ser um tanto gasta, mas, no meu saco, ironicamente, é também a mais pura verdade. 

No entanto, sei tudo isso apenas por ouvir dizer, pois desde o acidente só me lembro claramente de uma coisa: eu morri.

Tive o que as pessoas chamam de "experiência de quase morte", ou EQM. Acontece que as pessoas estão erradas. Podem acreditar, não houve nada de "quase" no que me aconteceu. Foi assim: num instante Madison e eu estávamos no banco de trás da SUV do papai, Buttercup com a cabeça pousada no colo de minha irmã e o rabo batendo suavemente em minha perna, e a próxima lembrança... os airbags inflados, o carro inteiramente destruído e eu lá, assistindo a tudo do lado de fora.

Olhando para os destroços - os estilhaços de vidro, as portas amassadas, o para-choque dianteiro agarrado ao tronco de um pinheiro num braço letal -, fiquei me perguntando o que poderia ter acontecido de errado, esperando e suplicando que todos tivessem conseguido sair dali como eu. De repente, ouvi um latido familiar; virei para trás e vi minha família seguindo por um caminho, guiada por Buttercup, que abanava o rabo.

Fui ao encontro deles. De início, tentei correr e alcançá-los, mas depois fui mais devagar, querendo me demorar e passear por aquele campo vasto e perfumado de árvores e flores vibrantes que tremeluziam, e apertando os olhos diante da névoa deslumbrante que refletia e brilhava intensamente, iluminando tudo.

Prometi a mim mesmo que seria rápido, que logo voltaria para encontrar minha família. Mas, quando enfim olhei, só deu tempo de, num relance, eles sorrirem e acenarem para mim ao atravessarem uma ponte, sumindo de vista pouco depois.

Entrei em pânico. Olhando para todas as direções, comecei a correr um lado para o outro, mas tudo parecia igual: uma névoa sem fim, tépida, branca, brilhante, iluminada, bonita e estúpida. Então, caí no chão e fiquei ali, morrendo de frio, chorando, gritando, xingando, implorando, fazendo promessas que sabia jamais poder cumprir.

Foi então que ouvi alguém dizer:

- Tyler? É esse o seu nome? Abra os olhos e olhe para mim.

Aos tropeços, voltei para a superfície, onde tudo era dor e sofrimento, e minha testa porejava de tanta dor, uma dor lancinante. Então olhei fixamente para o sujeito que se curvava sobre mim, dentro dos seus olhos escuros, e sussurrei:

-Sim, sou Tyler. - E desmaiei outra vez.


próximo capítulo aparece o tal

para sempre - os imortais [joshler]Where stories live. Discover now