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Louise se espreguiçou com a serenidade de quem havia tido uma ótima noite de sono, e permaneceu de olhos fechados por um tempo. Sentiu, no entanto, que estava sem suas cobertas, e só então despertou de verdade. Seus olhos se arregalaram em desespero ao dar-se conta de que não estava em sua casa. O ônibus lotado se movimentava depressa e sentiu o ar faltar em seus pulmões ao ver que não estava mesmo em casa. Mordeu a língua com força para concluir que estava sonhando, mas não estava. As pessoas ao seu redor conversavam em um idioma que ela compreendia, mas que não era o seu nativo. Percebeu que a olhavam de maneira esquisita, adivinhando que estava perdida. Talvez sua descida tenha passado enquanto dormia, eles deveriam estar pensando.

- Oi, ahn, onde eu estou? - Sua voz fina e tremida parecia incerta, e seu inglês, lento demais.

- Já passamos um pouco do centro da cidade.

- Que cidade?

- Londres, ora essa. - A pessoa a olhou de um modo ainda mais esquisito, e se afastou do banco, mostrando receio.

Londres? Como assim, ela estava em Londres? O que estava acontecendo? Se levantou depressa do coletivo e percebeu que era fim de tarde. Reconheceu a cidade dos filmes que havia assistido desde sempre, mas era desesperadora a situação em que se encontrava. O frio lhe cortava a pele, pois não tinha um agasalho adequado para aquela sensação térmica. Olhava em volta com cada vez mais pânico, e caminhava para lugar nenhum, apressada, sem saber para onde ia. Procurou o celular e percebeu que estava sem ele. Também não sentia nenhum relevo de dinheiro ou moedas em seu bolso, e ainda que encontrasse algo, sabia que não adiantaria para nada. Era do Brasil, e não dali. Por que, então, estava ali?! Respirou fundo, de olhos fechados, e tentou refazer seus últimos passos. Havia mexido no computador na noite passada, checado. Acordou em um ônibus londrino. Isso não fazia sentido.

Menos ainda fez ao reconhecer aquela rua. Era aquela rua, sim? Isso era muita coincidência. Um grande delírio. O Speedy's Cafe estava um pouco mais adiante, mas sua atenção foi roubada pelo táxi que havia parado logo à frente de seu caminho. Descia do carro, ninguém mais, e ninguém menos, que John, John Watson. O John de Sherlock, ele mesmo! Se era sonho, nada importava. Mas tudo parecia real e assustador demais para um sonho comum. Correu para o homem e se segurou em seu braço com todas as forças, sentindo a carne rígida sob o pano do casaco.

- John, você é John Watson. Você é John Watson, não é? - Seu inglês parecia ter evoluído bruscamente pela necessidade de comunicação. O homem deu um passo para trás, mas logo compreendeu o desespero de alguém que estava perdido.

- Sim, sou eu mesmo, e você? O que está acontecendo?

- Louise, meu nome - ela embaralhou a frase - eu não sei o que está acontecendo, não, não sou daqui, e no meu mundo você não é real, mas... - A menina começou a chorar copiosamente, e John pensou que ela tivesse fugido de algum hospital ou orfanato. Tocou seus braços com carinho e percebeu que estavam extremamente gelados. Tomou-a pela mão e com pressa abriu a porta do 221B, subindo as escadas ligeiramente. Cada vez mais Louise chorava, tremendo e escondendo o rosto com a mão que estava livre. John entrou na casa que era sua - e ela sabia, porque conhecia tudo sobre ele. E sobre o homem sentado na poltrona.

- Mas que diabos está acontecendo? John, já te disse para não pegar crianças de rua.

John a colocou sentada sobre o sofá, e saiu da sala apressado. Logo trouxe consigo uma senhora de cabelos vermelhos, que se compadeceu.

- Oh, santa mãezinha! Essa menina está em choque. Qual o seu nome, minha filha? Por favor, pare de chorar. Se acalme! - A senhora se abaixou diante de Louise, bem como John, que havia trago uma xícara de chá bem concentrado. Ela tomou goles desesperados do conteúdo, e em soluços, se apresentou outra vez.

- Eu, eu sou a Louise...

- E você não é daqui. - O que estava sentado na poltrona havia se levantado, com um olhar curioso. Era o único que mantinha a calma. - Sul do Brasil, eu presumo. Como uma menina da sua idade veio parar em Londres, sozinha?

- Sherlock, sem exibicionismo, por favor. - John o repreendeu, e a menção do nome de Sherlock quase fez com que Louise chorasse de novo, sentindo o coração palpitar dentro do peito.

- Eu não sei, eu não sei!

A senhora havia se levantado e trazido um pequeno comprido para ela, que foi ingerido com o restante do chá que ainda estava na xícara.

- Ok, você precisa dormir. Vai ter um colapso a qualquer momento. Obrigada pelo calmante, Sra. Hudson. Venha.

John a tomou outra vez pela mão e apressado a levou para um quarto, que ela não conhecia. Não podia acreditar que estava no apartamento deles, e que estava provavelmente no quarto dele. Tudo ali cheirava a limpeza e era sistematicamente organizado. Ele a colocou sobre a cama - a sua cama? - e embora tenha resistido a princípio, acabou cedendo ao conforto que encontrou ali. Um cobertor foi colocado sobre seu corpo e logo ela adormeceu, acreditando que tudo seria um sonho incrível para contar aos amigos depois. 

Louise - Sherlock BBC.Onde histórias criam vida. Descubra agora