~Tuan

2.7K 140 79
                                    

Bebi mais um gole do café na minha garrafa térmica, sentindo o líquido quente descer pela  garganta. A praça de alimentação da escola estava vazia, o que não me surpreende. Ainda é muito cedo para ter outros alunos por aqui. Não é mais que dez para sete da manhã, e não posso negar me sentir sonolenta; nem sequer preguei os olhos esta noite. Os pesadelos em que ele aparecia se tornaram tão frequentes, que agora, ao invés de ignorar os fatos, eu só tenho mais medo e não consigo dormir de jeito nenhum.

Nem mesmo ler os livros que eu mais odiava me fizeram ter sono. Era como se estivesse tatuado em meu subconsciente: "Ele nunca vai deixá-la em paz, faça o seu melhor para ele não te encontre. Não durma". 

Para piorar, fazia muito frio. Nevava ao lado de fora do prédio. Isso só fazia com que o sono viesse à tona com mais força. Até parece que a quantidade de café que estou tomando neste instante não fizesse nem cosquinha para melhorar minha situação.

— Você fez matemática? — Paola colocou sua mochila e fichário na mesa, tipicamente escandalosa.

— Fiz. — Olhei para ela, voltando a beber o café.

— Milagre. — Ela sorriu. — E aí, qual motivo dessas bolsas roxas em baixo dos olhos? Assistiu Titanic de novo? Não sei como você ainda chora com esses clichês.

— Não, eu só... não consegui dormir.

— Hm. — Franziu as sobrancelhas. — Isso não tem nada em relação ao Mark, né?

— Não, claro que não! — Sorri de lado. — Já te disse que deixei ele pra lá. — Menti. Esse orgulho infernal enche minha cabeça e simplesmente não me deixa em paz, nunca. Não posso admitir o quanto a morte dele ainda me dói. Não consigo.

— Você ainda vai engasgar com esse seu  ego um dia. Ele morreu, Eleonor. Sei que ele fez coisas erradas, mas quem errou no volante aquela noite não só foi ele.

— Ele não mereceu nenhuma lágrima minha. Já o esqueci por completo.

— É disso que estou falando. — Me encarou séria, como se quisesse me dar uma bronca. — Não dormiu essa noite por culpa dele, não é? Não adianta mentir para mim. — Suspirou. — Enquanto você não perdoá-lo, jamais será capaz de esquecê-lo. Mesmo depois de morto, ele ainda vai te assombrar.

— Não quero pensar nisso agora. — Admiti. — Não consigo. Preciso de mais tempo para entender que tudo acabou daquela maneira.

— Tudo bem. — Ela maneou a cabeça. — Estou aqui sempre que quiser conversar você sabe.

Eu sorri para ela, apertando sua mão por cima da mesa. O tempo se passou, mas a área de alimentação continuou vazia. Certamente, grande parte dos alunos não viriam hoje. Além do mais, o clima está bom pra ficar em casa. Logo mais o sinal tocou. Meu primeiro horário do dia seria história, e mais do que antes, tive certeza de que seria difícil não dormir na aula. 

Entretanto, mesmo com a cadeira gelada e o eco dentro da sala, o tema da aula acabou me chamando atenção: Como os gregos encaravam os pesadelos. Sou uma fã bobona de mitologia, não nego. Acho interessante e estúpida a forma dos deuses se denominarem deuses, mas terem atitudes mais humanas do que os próprios humanos.

A professora contou algumas teorias e historinhas antigas, mas de acordo com ela, nenhuma delas era verdade. Perguntei-a então qual seria a verdadeira. Com um leve sorriso, ela me olhou e disse:

— Isso depende de nós. — Fiz uma careta de dúvida. — Quero dizer, depende do que nós acreditamos. Ditados populares diriam que Morfeu, deus dos sonos profundos, poderia controlar os sonhos das pessoas. Mas se quiser saber minha opinião, eu lhe diria que os gregos tinham mais fé em "Thalam", ou, em poucas palavras, fé em você mesma.

It Is All For You • Mark TuanOnde histórias criam vida. Descubra agora