[ avisando, desde já, que considero a bipolaridade de Even sendo tipo 1, ou seja: paciente apresenta, pelo menos, um episódio maníaco e períodos de depressão profunda. Antigamente, o transtorno bipolar do tipo 1 era chamado de depressão maníaca ]
ANTES DE TUDO
E DE NADA
03:21
O amor é um sentimento ou uma decisão? Even não sabia.
Os cabelos jogados para trás, um cigarro apoiado no ouvido direito e um sorriso meia lua que parecia mostrar felicidade entre as nuvens de fumaça que circulavam por aquele cubículo de apartamento.
Era aniversário de Isak: dia vinte e um.
Havia copos jogados pelo chão junto com pessoas que não aguentavam mais ficar em pé e também aquelas que continuavam festejando, mesmo após duas ligações feitas pelos vizinhos para a polícia.
"NEI!", Noora gritou quando Eva e Jonas jogaram os gelos que estavam dentro do balde para dentro da sua blusa depois da mesma reclamar sobre a bebida.
Enquanto isso, Magnus também berrava em cima da mesa de jantar algo sobre Vilde, que sorria a todo momento pela declaração pública que recebia.
"Cara, eu não sinto mais minhas pernas", Elias choraminga, puxando a aba da calça de Even por atenção.
"Levanta daí, agora!", Sana entra na cozinha, com uma garrafa de água na mão e uma expressão furiosa e envergonhada no rosto, "Me desculpe, Even, pensei que ele já tinha ido embora"
"Eu tô esperando o Eskild", Elias faz uma careta, "Ele tá agarrando o universitário de biologia dentro do armário do corredor"
"Ok, então vai buscá-lo"
"Eu não", protesta.
"Do que tem medo?", Even ri sem graça, "De não conseguir sair mais de lá?"
"Não, cara", suspira, "Ok, mas se alguém me agarrar..."
Levanta se apoiando ao braço da irmã, que bufa e o empurra para fora de vista.
Sana arruma seu hijab sobre uma blusa preta com a frase "WOMEN ARE THE FUTURE" e uma calça larga também preta.
A garota abriu um sorriso com sua boca molhada pela água e viva pelo batom vermelho que tinha passado à algum tempo.
Então se apoiou na bancada para depois dizer:
"Está gostando do apartamento?"
Ele era bem caro, mas tudo bem, pois Even sabia que seria assim; tudo era mais caro não só em Oslo, mas em toda a Noruega.
"Isak adorou", era a única coisa que importava.
06:21
Decidiram comemorar na virada do dia vinte para o vinte um. Foi uma boa ideia até Even perceber que morreriam de ressaca antes de comerem o bolo ou transarem depois que todas aquelas pessoas fossem embora.
"Estou acabado", Isak beija seu pescoço, descansando a cabeça em seus ombros e o abraçando pela cintura.
"Também estou, mas agora começou as melhores músicas da Gabrielle"
Isak solta um gemido de dor, como se tivesse sofrido por aguentar o abraço que Even lhe deu de volta.
"Seu único defeito", murmura.
"Acredito que tenho mais", ri.
O garoto para, se separando dele pela decisão de olhar diretamente em seus olhos para dizer:
"Não existe mais nenhum, Even"
Então ele sente vontade de chorar e correr e não olhar para trás e pedir desculpas e chorar de novo. Mas apenas responde com um:
"Ok, desculpe"
"Por que está se desculpando?", Isak solta um sorriso carinhoso, "Ei, olhe para mim... Eu vivo você"
"Você me vive?"
"Sim", responde.
Os olhos de Even se fecham um pouco, desconfiados.
"Você está bem? Acabou de inventar uma expressão?"
Isak solta um riso fraco pelo nariz e balança a cabeça.
"É a junção de love e like", esclarece, "Vi isso em um livro que li pra prova de inglês"
Even não responde, apenas o abraça mais forte do que nunca e o beija como se fosse a última vez que seus lábios se tocassem.
06:21
As cortinas estavam tampando o começo daquele dia ensolarado e Even arrumou um tempo para gravar Isak dormindo no chão ainda que Eva e Noora estivesse tagarelando perto do banheiro e Chris bebendo sua última garrafa antes de ir embora.
Ele também estava deitado no chão, olhando para o lado para ter uma visão melhor da face angelical que o namorado possuía.
"Já estou indo", Chris sorri, arrumando seu boné com as escritas 'I (coração rosa pink) JUSTIN BIEBER', "Amanhã a gente se fala!", e some por trás da porta.
Eva, Noora, Jonas e William também vão embora depois de um tempo, mas Even continuava deitado, refletindo sobre se deveria acordar Isak e colocá-lo na cama ou aproveitar o tempo sozinho para editar o final do vídeo.
"Ei, levanta", acaricia a bochecha do garoto.
09:21
Ele acreditava que seus pulmões eram flores.
Todas às vezes que tragava um cigarro, tinha um choro doloroso e prendia a respiração em crises ignoradas, percebendo o quanto as flores estavam sem vidas ao serem banhadas demasiamente por fumaça.
E a única coisa que poderia rega-las era o seu amor.
Estavam com as pernas nuas enroscadas entre os lençóis brancos da cama de solteiro. O colchão de casal antigo que Isak usara quando ainda morava com Eskild estava encostado contra a parede, olhando os dois como um cúmplice do pecado original e de segredos que todas aquelas quatro paredes escondiam.
"Estou acabado", Isak repete, ainda com os olhos fechados.
Em cima da sua cabeça havia vários pôsteres e desenhos feitos por Even, como por exemplo um do filme "Romeu + Julieta" e uma lembrança feita com canetinha e lápis preto quando os dois comeram as batatas que Noora tinha distribuído pelo parque na Páscoa.
"Você já disse isso... umas dez vezes", Even debocha, sabendo que isso fará com que o namorado acorde de vez para protestar.
E depois que ambos se levantaram, Isak decidiu ir em direção ao banheiro enquanto o convidava para se juntar ao banho matinal, porém algo tinha prendido a visão de Even após o mesmo passar pelo espelho retangular pregado na parede; seus braços estavam cheios e o espaço entre suas coxas parecia ter diminuído.
"O que foi?", Isak percebe sua mudança ao som do suspiro e depois do silêncio que se seguiu.
Me sinto mais gordo, mais feio, mais nada, mais tudo.
"Nada", responde, "Acho que preciso mesmo de um banho"
17:21
"Já estou acabando"
"Tudo bem", responde.
"Tem certeza?"
"Even, não tem problema", diz, "Pode sair mais cedo hoje, querido", Sif sorri, mostrando o seu máximo de rugas causadas pela alegria durante quase cinquenta anos.
"Obrigado", sorri, "Ainda preciso resolver os problemas com o presente"
Ela sabia sobre ele e Isak, como também soubera de Varkyrja, sua filha, e Mikaela, uma hippie com apropriação cultural na cabeça quando ambas declararam estar juntas no inverno passado.
Even passou pela bancada, trocando sua blusa por uma mais limpa e sociável e colocando sobre ela seu antigo moletom cinza junto com o casaco jeans. Pegou uma vitamina e decidiu se sentar, colocando a câmara encostada nos guardanapos.
Depois de dizer rapidamente todo o final do rascunho escrito nas costas das mãos, ele vira a câmara para a vitrine da cafeteria após ver a imagem de Isak desenhando um coração feito pelo sopro no vidro.
Eles iriam voltar para a casa já arrumada depois da bagunça daquela mesma madrugada e ficariam fazendo barulho e sendo inseparáveis até a mãe de Isak ligar.
Even ficaria em silêncio. Quieto. Inseguro. Distante.
Até a ligação terminar e ele voltar ao normal. Mas nem tanto.
21:21
Instintivamente buscamos o amor por sabermos que ele delineia rumo à plenitude. Todavia, o amor é raro e não acontece o tempo todo.
Nesses intervalos queremos morrer.
Outrora pensava não ter válido à pena gastar tanto naquele pequeno apartamento nem tão perto do centro nem tão longe do subúrbio. Mas no final daquela noite, Even teve que discordar do seu pessimismo.
Havia uma banheira. Branca. Lisa. Limpa. Cheia de água morna até a boca. Pronta para ser usada.
Eles já estavam dentro dela quando percebeu e foi melhor assim, porque mesmo que já estivessem juntos à algum tempo, seus dedos tremiam de vez em quando e o tipo de amor que guardava para aquele garoto era colocar sua felicidade em cima da própria.
Porém isso não era preocupante, já que Isak fazia o mesmo por ele.
"Está perfeito", diz.
"Está mesmo", passou as mãos em sua barriga antes de puxa-lo para um beijo.
"Eu vivo você", Isak ri fraco pelas narinas antes de mergulhar a cabeça na água.
"Eu também te vivo", Even diz quando o namorado volta a superfície.
"Nós estamos sozinhos aqui", mexe nos cabelos dourados que ficaram molhados e colados em sua testa antes de acrescentar: "Juntos"
Even se sentiu verdadeiramente, profundamente e completamente feliz por apenas dez segundos, sendo o suficiente para dizer:
"A solidão nunca me pareceu tão acolhedora"
[ desculpem me pela demora, eu sinto muitíssimo. assistem o vídeo no YouTube, o capítulo foi meio que baseado nele. um abraço enorme em todos vocês ]
