0.1. MEDO.
Eu ainda podia lembrar exatamente como foi aquela tarde de outono. Na sala de estar da casa da minha avó. O olhar de pena de todos fez aquele lugar parecer ainda menor do que realmente era.
Sufocante.
E eu venho ignorando essa sensação de todas as formas possíveis. Literalmente, as esquecendo a cada tragada, rindo de mim mesma a cada ilusão, tendo novas ideias a cada canudo ou minha própria unha, o que havia neles na verdade.
A pior coisa é falsidade das pessoas que fingem tão bem se preocupar extremamente com você.
Eu não estava em mim aquele dia, na verdade. Eu lembro do meu corpo balançando e da lâmpada branca, que quase me cegava, era hilária. Mas toda graça se perdeu pela simples pronúncia da frase 'eu sinto muito'.
Tipo, será mesmo que você sente? Porque sou eu recebendo essa notícia e não ao contrário. Foi eu que escutei que meu próprio cérebro estava contra mim. Sou eu.
— Você tem um ano de vida. — Pronunciou-se o médico após um longo silêncio.
Parecia que ele realmente queria impregnar aquela tensão no ar. Aquele cheiro de medo. O pai olhou como se ela fosse de outro planeta ou como se já estivesse em estado de decomposição ao seu lado.
Ela apenas balançou o corpo, piscou diversas e rápidas vezes. E se deu por vencida.
Eu já sabia. Podia sentir. Cada poro sussurrando a verdade, eu não sabia como e porquê me senti tão abalada. Mas agora sei.
— Nós sentimos muito. — O mais velho parecia implorar.
— Não sinta. Não queira sentir.
Ela desconversou, puxando as mangas da jaqueta. Em seguida, jogou a mochila nos costas.
É incrível como aquele ditado é tão real, quanto o carma. Você não dar valor até que perca.
— Eu te amo muito, mi pequeña. — Sussurrou, afastando-se da irmã.
Sua avó estava no quarto e já havia sido avisada do adeus. Já havia tido sua despedida.
Eu poderia reclamar. Mas eu aprendi que devemos distribuir amor acima de tudo, então eu apenas o faço.
— Digam qualquer coisa, menos que se arrependem e que sentem. Não sintam! Arrependimento não trará minha vida de volta quando eu for.
— O que você vai fazer?
— O que eu já deveria ter feito! Viver o que me resta de vida e não apenas existir nela. — O tom firme de sua voz foi tão convicta que convenceria até o mais hesitante.
E com um último abraço em sua mãe. Ela saiu porta a fora. Respirando fundo apenas para engolir o medo.
O medo de fato não existe, dizem. É apenas uma ilusão. Apenas uma coisa na nossa cabeça, nos cercando, nos limitando.
Eu não pretendia voltar ainda, afinal. Estava cedo.
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O que Me Resta
Fanfiction"Olá, meu nome é Camila Cabello. Eu tenho dezenove anos e estou a 365 passos da morte." [MINIFIC - CABELLO INTERSEXUAL]