Capítulo 0.2' - PASSOS.

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0.2. PASSOS.

Eu estava na praia, sentada com os joelhos flexionados entre os braços na areia fofa, assistindo ao nascer do sol sobre o mar. Sem um pensamento de fato rondando minha mente, talvez fosse a maconha ainda em minha cabeça, que fazia com que eu piscasse quase que em câmera lenta.

Por um bom tempo. Minutos e horas. O céu estava azul e as nuvens em um tom rosa e lilás, o sol brilhando por trás delas. Beijando o mar. Suspirei lentamente, cansada. Me levantei em um solavanco que me deixou tonta. Mas caminhei como pude, descalça, até a calçada.

O V8 preto esperando mal estacionado bem ali. Me aproximo do mesmo e me ponho a tentar abri-lo.

— Maldita porta.. — praguejo baixo, puxando a porta sem sucesso.

Com licença.

Ouvi a voz baixa, mas não virei, poderia ser mais algum efeito da LSD ou a minha mente perturbada mesmo. Porém, o toque hesitante e quente em meu ombro me deu a certeza inesperada de que não era mais uma ilusão. Virei mais rápido do que imaginava, novamente ficando tonta e a mulher assustou-se, afastando dois passos para trás.

Quando recuperada, levantei o rosto a encarando com o cenho franzido em curiosidade, enquanto ela me olhava confusa.

— Você está bem?

Novamente o baque de que era real bateu em meu estômago com sua voz rouca. Assenti rapidamente, olhando para a porta do carro quase que tristemente.

— Só não consigo abrir meu próprio carro. — sussurro, me sentindo uma idiota.

Pela visão periférica pude ver os lábios rosados iniciarem o que poderia ser um sorriso. Que não existiu. Ela veio até mim, ainda hesitante, mas eu não tirei os olhos da porta. Então, puxou algo da minha cintura com cuidado.

O chaveiro pendurado na costura do jeans surrado. Voltou a porta e encaixou a chave, a abrindo sem maiores esforços.

— Merda. — murmurei inaudível. — Obrigada.

Tomei de volta à chave estendida em minha direção e adentrei o carro, batendo a porta. Coloquei a chave na ignição, mas não girei, apenas descansei as mãos nos volantes. Minha mente ainda lenta e em branco. Perdida.

— Você está bem mesmo? — a vi brevemente, abaixada na janela da porta, me olhando com seus olhos verdes claros.

— Você é bonita. — minha voz saiu baixa e inesperada, me surpreendendo com o tom natural.

— Obrigada... Mas não desvie o assunto, você não parece bem. — assenti, ficando em silêncio. — Eu posso dirigir para você, se quiser.

Nego lentamente, finalmente ligando a máquina. O som rouco e alto do motor quebrando todo e qualquer silêncio imposto por nós.

— Estou bem. Adeus.

Eu não esperei uma resposta, apenas arranquei. Saindo dali o mais depressa que podia, retornando ao subúrbio de Miami. O meu lar nos últimos seis meses, desde que deixei a casa de minha avó.

Seis meses. 180 dias, eu acho. Não tenho mais certeza de nada, de qualquer forma. Minha única certeza é que ainda me restam mais torturantes 180 dias.

180 passos, eu prefiro. Calmos e cada vez mais dolorosos.

Mas tudo bem, eu estou bem com isso.

O que Me RestaOnde histórias criam vida. Descubra agora