1º Comprimido

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— Não tem nada mais que você queira me contar? – Diogo recostou-se na cadeira atrás da mesa, olhando para o rosto baixo da jovem que em nenhum momento o encarara. O tempo se esgotava.

— Não – ela finalmente ergueu os olhos castanhos para os dele – Posso ir? Realmente preciso descansar – bufou, claramente forçando o esgotamento físico.

O médico concordou com a cabeça, vendo-a levantar imediatamente. Ele desejou não estar ali, expirando o ar frio que tomava seu corpo por completo, mesmo naqueles primeiros dias. Diferente da clínica em que trabalhara antes, o ar ali parecia sempre condensado, não se tratava apenas do frio de sua sala abafada, todo o complexo lhe dava a impressão de sufoco, mesmo nas áreas rodeadas por árvores. Diogo ainda era um jovem médico, na flor de seus 25 anos, mas o motivo de estar ali, em uma das maiores clínicas do Brasil, se dava justamente pelo fato de sentir ainda saber muito pouco do mundo. O confinamento em salas deu-lhe conhecimento, mas tomou-lhe anos de vivência. Não que se arrependesse por isso.

— Vamos lá – murmurou baixo, tentando animar-se enquanto afastava-se da mesa para levantar.

Assim que saiu do consultório, pendeu a cabeça para o lado, fazendo força para se alongar. A garota tinha sido a terceira e última paciente naquela manhã, mas já se sentia mentalmente esgotado. Não era fácil lidar com toda aquela situação. Cinco anos atrás, quando a clínica José dos Santos foi oficialmente inaugurada, houve sim uma grande comoção por parte dos brasileiros, mas como era de se esperar, não precisou nem mesmo um ano para que os primeiros pacientes fossem registrados. A maioria por parte de seus pais e demais familiares.

Foi considerado uma catástrofe que um país já tão desenvolvido retrocedesse décadas de história e desenvolvimento. Todos merecem poder buscar um tratamento para algo que não lhes agrada – eles disseram. A verdade era que não passava de um caso manipulado. Repita algo mil vezes e isto se tornará doutrina, engaje as pessoas e esta será a verdade. Com a lei de apoio, muitos argumentos psicológicos foram utilizados para induzir esta parcela da população de que era necessário e possível encontrar um meio de reprimir aquela natureza. Foram lágrimas derramadas, algumas em luto pela liberdade em que haviam nascido e que agora lhes era roubada, outras envolvidas nos discursos manipuladores que as renegava, já dispostas a ceder.

E ali estava Diogo, após anos de estudo, preso a um emprego não desejado. Quando surgiu a oportunidade por parte dos parentes mais distantes de que ouvia falar, não imaginava que se tratava de uma vaga de médio-conselheiro justo naquele lugar. O homem sabia que sua experiência de vida era vaga, portanto não sabia como de fato lidar com pessoas tão sofridas que lutavam contra algo assim. Diogo nunca pensara no assunto, não lhe interessava, e agora estava ali, rodeado por uma realidade nunca antes imaginada. Ele fechou os olhos por um momento, limpando a mente de todo pensamento ruim que lhe ocorria, para que pudesse seguir com seu dia.

Está tudo bem – era o que tentava internalizar.

Diogo caminhou pelo corredor de paredes azuis, e de súbito parou seus lentos passos, sentindo um estranho incômodo que parecia romper suas costas. Alguém o observava, era isso que sentia, um olhar que penetrava sua pele. Por instinto virou a cabeça para o lado, onde janelas ocupavam toda a parede direita e davam para a área livre. Ele ergueu os olhos para cima, para o andar superior, onde outra janela encontrava-se lateralmente em sua direção. O homem sentia que seu incômodo vinha daquele lugar, mas ali já não havia ninguém.

Ele mexeu os ombros, como que para afastar a sensação, e continuou sua caminhada rumo ao refeitório. Tratava-se de uma área extensa, ali mesmo no térreo do prédio secundário, onde inúmeras mesas brancas se alinhavam harmonicamente com as cadeiras azuis. Tudo era claro, isso devia gerar calma. Não era o que Diogo sentia.

DIP - Minha CuraOnde histórias criam vida. Descubra agora