As últimas faíscas de luz solar, refletiam nas águas, que fluíam na fonte deixando um brilho laranja a piscar nas pequenas gotas. O núcleo da pequena praça circular, estava cercado por grama brilhante, regada pelas partículas que escapavam do reservatório da fonte. As flores dali tinham uma cor mais intensa e, mesmo sendo pequenos, os lírios brancos, os favoritos de Nayla, cativaram a sua atenção quando passava por lá.
Um sopro de vento, mais forte do que a brisa do fim da tarde, trouxe, além do cheiro da tinta fresca das casinhas recém pintadas, muitas folhas dançantes pelo ar e um dos lírios, que ela logo resgatou, levando-o ao rosto para sentir o aroma. O clima fresco e agradável, prometia uma noite levemente fria e aconchegante.
Nayla não se deteve naquela praça, continuou a andar distraidamente pelo pequeno povoado, observando os pássaros que iam e vinham de todas as partes. Girando, absorta, a flor em sua mão, pensava no motivo de estar naquele lugar tão remoto: seus pais quiseram parar numa pequena pousada, à beira da estrada, em frente ao vilarejo em que se encontrava agora. Essa parada era necessária, precisavam descansar, no dia seguinte, iriam retornar à viagem de volta pra casa. Essa viagem juntos, havia sido animada e divertida, mas essas paradas eram entediantes, por isso ela sempre saía para explorar os locais, encontrar algo que fizesse as "pausas no cronograma" ficarem mais interessantes.
O som de conversas a desviou de seu raciocínio, automaticamente ela moveu o olhar para o pequeno conjunto de pessoas, que surgiam, aparentemente, de dentro da floresta, que rodeava o fim do lugarejo. Alguns sujos de terra, outros com cinzas nas roupas e ainda aqueles com cestos vazios nas mãos, mas todos com um aspecto animado e concentrados em seus diálogos aleatórios, para notarem uma forasteira parada ao meio do caminho. Mirando-os, ela tentou imaginar o que poderiam estar fazendo, deveriam estar voltando de algum trabalho por perto? Talvez fosse isso mesmo.
Seguiu tranquilamente passando por eles, andando na direção de onde pareciam vir. Não muito tempo depois, longas árvores se estenderam à sua frente e a visão de uma densa floresta a rodeou. Deu-se conta de que já não haviam mais casas por ali e as pedras que a guiavam, não estavam mais abaixo de seus pés. Fechou os olhos e inspirou fundo, mas a calma e a paz que esperava, não foi o que a dominaram. Ao invés disso, o que sentiu foi um desconforto que lhe provocou uma súbita crise de tosse. Abriu os olhos e seu rosto encheu-se de lágrimas com o repentino nevoeiro que a cercou.
Fumaça? Por que haveria fogo por ali? Aquelas pessoas estavam, na verdade, queimando algo no meio das árvores? Lixo? Erva daninha?
Decidiu voltar, porém, antes que o fizesse, um som cativou sua atenção, um barulho que não esperava ouvir num lugar desses: um choro de bebê, vindo diretamente de algum lugar por entre as árvores! Quem deixaria uma criança pequena num lugar assim e com toda aquela fumaça? Teriam a esquecido? Não havia como! Ela não esperou por mais deduções e entrou mata a dentro.
A bruma branca ia se intensificando, à medida que ela ia em direção ao som, que ficava cada vez mais alto. As folhas faziam um teto improvisado, banhando o trajeto com sombras disformes, até que quando ela pensou ter chegado ao local onde o bebê estava e as sombras sumiram, tudo o que viu foi uma grande clareira imersa em gás branco, causadores de mais tosses, o único barulho que se ouvia. O choro silenciara completamente. Sem entender, ela andou para mais perto do restante da fogueira, provocadora da fumaça e, entre objetos estranhos, encontrou um pequeno sapatinho, chamuscado e se desintegrando com as cinzas.
Por segundos, a ideia de o bebê estar naquela fogueira a aterrorizou, porém olhando mais atentamente no meio dos destroços, não existia nada ali, que pudesse indicar isso, a não ser o pequeno sapato. Aliviada, virou-se para continuar sua busca, mas uma sensação ruim lhe dominou, quando percebeu o quão esquisita era toda essa situação. Quem, em sua sã consciência, deixaria um bebê por ali e queimaria seu sapato numa fogueira? Pensamentos macabros vieram à mente de Nayla, fazendo seu coração martelar no peito. Tentou mover-se, mas suas pernas não obedeciam ao comando. De repente as sombras das árvores pareciam mais escuras e os pássaros já não cantavam mais. Tudo estava quieto e extremamente triste, como se tudo à sua volta tivesse morrido e sua vida fora sugada. Sentiu uma enorme necessidade de chorar e um vazio na alma que lhe impulsionaram à vontade de fugir. Não quis ficar nenhum instante a mais naquele local, o desconforto ficava mais incômodo.
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Das cinzas, você (Completo)
NouvellesUma vez por ano, a noite é mais longa, a lua é mais presente que o sol e os mistérios noturnos prolongam-se mais que o habitual. Sair em uma noite assim, seria perigoso? Pedir que ela dure mais, seria loucura? Depois disso, os solstíc...