– Acorde! Vai acabar se atrasando para a escola! - Jeanne batia na porta do meu quarto.
Já se passou um ano desde aquele fatídico dia, eu tive que morar sozinho, consegui vender a casa dos meus pais e arrumei um apartamento simples perto da casa de Jeanne, ela insistiu que eu deveria ficar perto dela para que não fizesse nenhuma besteira.
— Você também vai se atrasar se continuar me acordando todo dia... - falo abrindo a porta do quarto enquanto bocejo. - Por que mesmo que você tem uma cópia da chave da frente?
— Pra garantir que você não vai fazer nada de errado e pra conseguir te arrastar pra fora desse quarto. - fala colocando as mãos na cintura, parecendo uma dona de casa. - Se dependesse só de você, já estaria morto de fome.
— Certo. - fecho a porta e começo a me arrumar.
Você deve se lembrar da estranha habilidade que descobri, certo? Com o tempo eu aprendi a usá-la melhor, no entanto não importa o quanto eu tente, não consigo voltar e salvar meus pais, de todas as músicas que eu lembro, nenhuma delas é de antes de embarcar no metrô, e mesmo voltando, nunca consigo ligar devido a falta de sinal embaixo da terra. E por mais que eu volte mesmo antes, meus pais sempre acabam morrendo, no fim parece ser impossível evitar a morte de alguém.
Como funciona esse poder? Aparentemente eu posso voltar á um momento específico da minha vida, ao meu corpo daquela época contanto que eu lembre que música eu escutei naquele momento, podendo permanecer apenas enquanto a música tocar, voltando ao meu eu atual assim que terminar. Nunca contei à ninguém.Termino de me arrumar e sento em uma cadeira me apoiando na bancada, havia apenas três cadeiras, eu não costumo receber visitas e tenho apenas dois amigos, logo não precisava de muito. Começo a beber café, enquanto Jeanne senta em outra cadeira e fica contando sobre seu sonho:
— Foi engraçado, você e o Munō estavam lá, estávamos no terraço da escola, e então... então, estranho, esqueci... - ela fica um tempo confusa, pensando e de repente muda de postura. - Do que eu estava falando?
— Hum... não sei. - termino de tomar café pensando no tal sonho, algumas pessoas parecem sentir quando eu mudo o tempo, como se levasse um tempo para aquelas memórias antigas serem substituídas. - Por falar emMunō, melhor irmos logo, ele odeia ficar nos esperando.Depois de enrolar mais alguns minutos procurando meu livro para aula de química, calço meus sapatos, limpo a poeira dos meus jeans e visto meu casaco. Saímos então e eu tranco a porta, espero não estar esquecendo nada.
Todos os dias nós fazemos o mesmo caminho, passando pelos mesmos locais, mesmas ruas, o mesmo cemitério onde meus pais estão enterrados. Nunca visitei seus túmulos após o enterro, ver aquelas lápides apenas me trás péssimas sensações, não há nada para ver lá, espero que suas almas estejam em paz, embora eu ache que vítimas de assassinato devem morrer confusas, sem saber o que pode ter ocorrido, ou saber se foram vingados.
— Keiko? Você está bem? - pergunta Jeanne me olhando de forma preocupada. - De repente você começou a fechar a cara.
— Ah, nada não, só estava pensando... - falo tentando disfarçar
— Você pode falar se precisar - ela sorri pra mim e tenta segurar minha mão mas acabo guardando ela no bolso.
—Certo... Obrigado...
Jeanne acaba ignorando, realmente eu devo agradecer a ela por esse último ano, talvez eu realmente já estivesse morto, apesar de que isso não seria um problema. Chegamos estação a tempo de encontrar Munō e embarcarmos em um metrô antes do horário de pico, nos facilitando o encontro de assentos para que possamos sentar os três juntos, eu me sento no numa ponta deixando Jeanne no meio e Munō na outra, durante a viagem eu apenas ouço música e os dois conversam sobre filmes.
Munō tem sido meu amigo desde o ano passado, nos conhecemos na escola quando o transferiram, ele veio de outro país depois que sua mãe recebeu uma promoção no trabalho. Sua aparência o fazia se destacar de todos, pele branca, cabelos brancos e olhos vermelhos, como um personagem misterioso, o qual você não sabe dizer se é um aliado ou um vilão, ele poderia ser um cara popular, mas preferiu ser amigo do garoto órfão e da garota barulhenta.
O metrô para chiando em seus trilhos após ser anunciada a estação, saímos da estação com os dois ainda conversando e em meus fones tocando "To the Beginning".
O tempo está nublado como sempre, prefiro ele assim, é como se tudo estivesse devagar, é mais fácil de entender tudo que está ao meu redor, no caminho para a escola passamos por algumas lojas, há todo tipo de lojas no caminho para escola, lojas de jogos, lojas de música e lojas de doces.— Vamos entrar! Os bolos daqui são maravilhosos. - Jeanne nos faz comer ou ver-la comer nessa loja, "Mother Cake", quase todos os dias, os bolos realmente são bons, mas eu acho que já devemos ter provado todo o cardápio.
— Já comemos aqui ontem, e acabamos de tomar café, melhor andarmos logo. - começo a mexer os pés para continuar andando mas então Munō diz algo que não devia.
— Me admira caber tanto bolo em alguém tão pequeno... - ele diz isso de forma natural, quase como estivesse apenas pensando alto.
— O QUE DISSE, SEU ALBINO DESGRAÇADO?! - Jeanne odeia que falem da sua altura, e isso a irrita mais ainda vindo dele, já que quase todos são menores que ele, inclusive eu. - REPETE ISSO DE NOVO E EU ARRANCO SUA CABEÇA FORA! TÁ ME OUVINDO?! LIXO MALDITO!
— Se aca... - embora tente evitar que ela se estresse, minha voz é abafada pelos gritos, enquanto Munō a ignora, como se não estivesse escutando. Minha única opção é arrastá-la para podermos continuar o trajeto até a escola.Após alguns minutos chegamos a escola, uma grande construção de quatro andares feita de tijolos e com colunas brancas ocupando todo o quarteirão, chegamos bem a tempo de ouvir o primeiro sino que anuncia o começo das aulas, todos os alunos deviam ir para sua salas. Minha primeira aula era numa sala do terceiro andar, começo a correr escutando "Rewrite".
Logo que passo pela porta sinto minhas pernas baterem em algo e por um instante tudo parece desacelerar e a gravidade me puxar, e eu caio no chão, meus fones caem e deslizam enquanto a música termina. Me levanto e dou de cara com Dave Linos rindo da cena, meu rosto deve estar vermelho nesse momento, e o pior de tudo, meu fone está nas mãos de um de seus amigos, aquelas mãos sujas, espero que seja chocolate.
— A princesinha caiu? - Dave ria enquanto seu macaco de estimação lhe entregava meu fones. No entanto Jeanne foi mais rápida e pegou os fones de volta jogando eles pra mim.
— Por que você não provoca alguém do seu tamanho? - enquanto ela começava a caminhar em sua direção, eu encaixo meus fones e volto para música anterior e fixo um único pensamento em minha mente, "Não tropece dessa vez", aos poucos minha visão escurece, todos meu sentidos parecem ficar mais lentos, minha visão começa a voltar, tudo está embaçado mas voltando a ficar em foco em alguns segundos.Tem algo de errado, eu não estou caminhando para a sala, estou sentado na minha velha cozinha tomando café com meus pais antes de ir para escola, a música continua a rolar eu olho em volta reconhecendo a memória, é a manhã daquele dia, minha mãe está sentada ao lado do meu pai e ele está olhando algo em seu celular, uma mensagem dizendo que estava de folga, ele fita a mensagem franzido a testa enquanto arruma seus óculos, é algo raro ele ter descanso do serviço, sempre ficam perdidos sem ele.
— Que estranho. Mas já que terei folga hoje, acho que vou aproveitar e praticar alguma música nova. - meu pai estava feliz, havia começado a aprender um instrumento novo, infelizmente ele jamais iria terminar de aprender.
De onde me sento, é possível ter visão de metade da sala de estar. Espere um momento, tem alguma coisa brilhando na estante da sala, me levanto e vou até lá para olhar, nunca havia notado que tinha algo brilhando na estante, me aproximo da estante e ouço algo se mexer atrás de mim, como algo correndo, meus pais estão conversando, portanto não ouvem nada. Me viro para olhar e nesse instante minha visão escurece e quando torna a focar para estou na memória que eu queria voltar, mais uma vez a música se encerra, e eu estou novamente caído no chão, dessa vez eu segurei os fones para não se soltarem.
Ignoro as piadas de Dave e sua discussão com Jeanne e me sento no meu lugar pensativo. O que foi aquilo? Como nunca notei isso antes? Na verdade era como se aquilo estivesse sido alterado, será que mais alguém também pode mudar a linha do tempo como eu? É difícil pensar em tudo isso com o cansaço depois dessa viagem no tempo, isso consome minhas energias.O professor entra na sala ordenando que todos se sentem enquanto começa a fazer a chamada, pedindo que todos fiquem em silêncio e prestem atenção, embora eu só consiga pensar em uma coisa. Eu preciso lembrar todas as músicas daquele dia e descobrir quem matou meus pais, não posso evitar que eles morram, mas posso pelo menos desvendar esse crime, é uma pena não ter ajuda de ninguém, é horrível poder apenas pensar sozinho. Mas não importa quem seja, eu usarei esse poder e irei encontrá-lo.
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Melodia Distante: Volume 1
FantasyEste é o primeiro volume de outros volumes que virão. Keiko é um colegial que sempre foi inseguro e distante das pessoas, com exceção de poucos amigos, sua maior paixão é a música, a qual sempre fez parte de sua vida. Mas sua vida acaba mudando ao...