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log p -> 06/10/20 às 6:00h (GMT -3)
Às 6:13 da manhã adentrávamos o complexo residencial, pelo oeste. Não houve qualquer obstrução à nossa entrada, ou obstáculo às nossas operações. Nenhum sinal da suspeita.

Os quatro rumavam ao bloco E, sob a luz laranja da aurora do dia. A neblina tomava as ruas e ocultava os agentes como escondessem-se detrás de cortina branca e espessa.
Procuravam não ser notados, valendo-se da neblina e prosseguindo furtivamente, em vez dos usuais passos estrondosos acompanhados de alertas gritados - "Polícia! Abra as portas ou iremos arrombá-las". Vez ou outra, a policial E alertou o agente P sobre o peso de seu passos sobre o concreto do lote ou acerca dos atalhos que tomara e quase lhe expuseram às pouquíssimas pessoas que andavam nas ruas.
Pouco a pouco, da adensada neblina surgiram no horizonte os imensos prédios, largos e baixos, quatro em número e distantes entre si. Ainda amanhecia e a luz não havia difundido-se por todos os estreitos corredores.

Nestes mais tarde transitariam centenas, saindo, quase sincronizados, de quase todas as incontáveis portas, quase satisfeitos com a própria vida. De seu tempo, alguns ocasionalmente reservavam minutos; escoravam-se para encher os pulmões com o insípido ar da manhã, com os antebraços juntos ao corrimão da sacada comum a todos os inquilinos.

Rotineiramente alguns decidiam escorar-se um pouco mais e cair à própria morte. Por sorte, há 20 dias a ideia de dar aquele esforço extra não resolvia-se na mente de nenhum deles, evidentemente por boa influência dos quilômetros de finíssimas telas que haviam sido instalados.

No entanto, toda essa movimentação limitava-se precisamente às horas úteis e, por agora, até mesmo os cachorros e gatos abandonados procuravam descansar em suas últimas horas de sono antes do começo do expediente.

Os agentes davam continuidade à própria missão, seguindo em passo firme porém sorrateiro, procurando não fazer muito barulho. Nada falavam uns aos outros; envolvidos pelo silêncio opressor dos blocos de concreto, estavam cada quais mergulhados nos próprios pensamentos.

Pouco após, aproximavam-se à entrada do bloco E, estrutura do central do complexo em forma de X. Parecia também a mais afetada pela precariedade: os serviços mais básicos à vida humana, dentre os quais a doutrinet, vinham por meio de gatos na rede dos cidadãos que abdicam à lei. Da entrada do condomínio, restavam apenas as paredes encardidas e o arco de uma porta, há muito arrancada de seu portal. O quão mais se aproximava do bloco, mais se ouviam rangidos de um piso de madeira velha e negligenciada. E estes a cada a hora tornavam-se mais e mais intensos.
Um faxineiro vagava pelos corredores do andar superior, assoviando insossa melodia, como estivesse apenas superficialmente feliz, afogando os sons da madeira velha. A cada pausa, porém, estes eram ouvidos novamente, e, ao que parecia, mais se assemelhavam a gritos femininos.

A E acidental e despretensiosamente lança um olhar para a A, e as duas param por um momento. Os outros também o fazem. Alguns instantes após, pergunta a E:
- "Vocês também tão ouvindo esse barulho?"
- "Sim." - responde o C, retomando ao passo e logo parando, ao perceber que não é acompanhado.
- "Vamos..." - ele continua - "não se esqueçam que a gente tem uma missão aqui"
- "Era só um barulbo" - diz em seu monólogo interno, já quando todos já haviam voltado a andar.

Todos tornam a dar os poucos passos que faltavam, em direção à entrada lateral do bloco em questão, representado agora apenas pelo arco que restara da porta há muito arrombada. P nota, surpreso, que a iluminação funcionava parcialmente; E, que ao barulho de antes, gradualmente mais acentuado, agora se unia o ruído de uma goteira. Na dianteira, E sobe as escadas, e aos poucos os outros também.

Se deparam com um tonel cheio até a borda, de líquido vermelho e ligeiramente viscoso, que pinga, infiltrado, do teto. A goteira mórbida figura uma mancha vermelha, de sangue. Todos eles sacam as armas e põem-se em guarda.

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