Toda tribo tinha dois xamãs naqueles tempos. Um cuidava das festas, nascimentos, casamentos e das histórias. E um outro. Que cuidava dos doentes, dos moribundos, dos enterros e da morte.
O primeiro era chamado de xamã da Luz e vivia no meio da tribo. Sua cabana era geralmente do lado da cabana do líder guerreiro. O outro era chamado de xamã das Sombras. E sua cabana era fora da tribo. No meio da escuridão densa da floresta.
Uma vez por ano. Perto do equinócio de Outono. O Xamã das Sombras era convidado para a festa das colheitas e fazia seus presságios.
Nesse ano os presságios não eram bons. A tribo sofreria alguma coisa terrível.
Ninguém deu bola para os augúrios. A maioria da tribo achava que o Xamã das Sombras só queria chamar a atenção. Já que era a única festa que era chamado. No resto do ano ele só cuidava da morte.
Mas, o Xamã da Luz ficou intrigado é foi até a cabana, no meio da floresta conversar.
- Nym, você estava falando sério ontem, sobre os presságios? (Xamã da Luz)
- Claro. Eu nunca minto. Mas, eu não falei tudo. Você terá que aprender meu ofício. Não estarei entre os vivos daqui um ano. Eu quero que você venha me ver para eu ensinar algumas coisas. E de agora em diante toda vez que eu for cuidar de um moribundo ou de um enterro esteja presente. (Xamã das Sombras)
- Mas, Nym. Se você vai morrer. Toma um aprendiz. Porque tem que ser eu?? - o Xamã da Luz estava apreensivo.
O Xamã das Sombras respondeu calmamente.
- A minha morte marcará o fim dessa divisão. Depois de nós só haverá um Xamã. E ele cuidará dos vivos e dos mortos. Das festas e dos enterros. Dá alegria e do desespero. Eu só posso contar com você, Hyka. Porque você já tem metade do treinamento.
E assim, duas vezes por semana, o Xamã da Luz passava a noite com o Xamã das Sombras. Aprendendo as coisas da morte.
O Xamã da Luz chamava Hyka. O Xamã das Sombras, Nym.
Hyka começou a observar tudo o que Nym fazia. Era um trabalho bem mais pesado que o seu. O Xamã da Luz fazia cerimônias e contava histórias só em datas específicas. E quando tinha casamento e a cerimônia do nome do bebê.
Nym fazia todo o resto. Partos, enterros, cuidava dos doentes e dos velhos. Muitas vezes ficava horas na casa de um membro mais velho do clã. Ouvindo as histórias e as queixas de dores e limitações próprias da idade.
Apesar de tudo isso Nym era temido por ser o Xamã das Sombras. Enquanto que Hyka vivia cercado pelos jovens, pelos guerreiros e pelas mulheres.
Os Xamãs não precisavam permanecer solteiros e Hyka recebia muitas propostas, mas não se interessava por ninguém. Nym nunca recebia sorrisos nem propostas. Quem iria querer viver no meio da floresta e ficar em contato com a morte e doenças?
Uma noite por mês Nym ficava recluso. Ele disse a Hyka que era o dia que ele se purificava e reequilibrava suas energias. Na noite de lua nova o Xamã das Sombras entrava em contato com o mundo espiritual.
Nym pediu a Hyka para deixa-lo sozinho nessas noites. Que, quando chegasse próximo o dia de sua morte ele ensinaria como fazer.
Mas Hyka estava queimando por dentro de curiosidade. Quanto mais observava Nym, mais atração por tudo que tinha relação com ele Hyka sentia.
E na noite de lua nova, lá estava Hyka se esgueirando no meio da floresta, atrás de Nym.
O Xamã das Sombras andou mata a dentro e chegou numa cachoeira. Começou a tirar seus paramentos, suas roupas, soltou os cabelos. Entrou na água e lavou a pintura facial.
Hyka estava paralisado. Nunca tinha visto alguém tão lindo quanto Nym.
Seu corpo era esguio, uma musculatura se desenhava sob a pele, não exagerada como a dos guerreiros, mas definida. Seus longos cabelos negros brilhavam em contato com a água. E seus olhos profundos e azuis pareciam duas centelhas sobrenaturais.
Nym se aproximou da queda d'água e ficou embaixo dela. De olhos fechados e mãos unidas na altura do peito.
Depois de um tempo longo. Hyka tinha sentado encostando as costas em uma árvore. Uma serpente branca enorme surgiu e se enroscou no Nym. Hyka começou a ficar desesperado e pulou na água, com toda a força que tinha tentou puxar Nym pra fora.
Nym tinha um sorriso no rosto e a serpente virou para o Hyka e o atacou com violência. O grito de Hyka despertou Nym que com uma palavra de uma língua estranha fez a serpente parar.
- Irmão, eu disse para me deixar só hoje. Disse Nym com a serpente semi enrolada no braço.
Hyka com os olhos arregalados de medo viu o Xamã das Sombras acariciar a cobra, dizer algo e deixa-la partir.
- Agora terei que cuidar de você. O veneno dela deve fazer efeito em alguns minutos. Vamos logo para minha casa.
E assim começou o aprimoramento espiritual do Xamã da Luz.
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Luz e Sombra [Completo]
Short StoryToda tribo tinha dois xamãs naqueles tempos. Um cuidava das festas, nascimentos, casamentos e das histórias. E um outro. Que cuidava dos doentes, dos moribundos, dos enterros e da morte. O primeiro era chamado de xamã da Luz e vivia no meio da tribo...