1975

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Devaneando em pensamentos coloquei sobre a mesa duas chávenas de café. De súbito voltei à realidade e me lembrei: você não estava mais ali.

Não sei se por saudade ou por ironia costumava sentir essa sua presença incógnita, esse seu ar aquecido que deixava pela casa antes de deixar a mim.
Lembro-me que era em finais de tarde exatamente iguais a esse que eu sentia que por alguns minutos, entre a fumaça da bebida ainda quente, você me olhava. Não apenas me direcionava os olhos, mas me via. Via meu cabelo desgrenhado, os meus olhos cansados, os pensamentos aflitos. Então me dava um beijo e dizia:
-Nessa noite seremos só você e eu.

(Então ria, uma risada que nunca soube o significado, mas sempre insisti em acompanhar.)

Hoje é verão de 1975.
O sol já se pôs.
O café esfriou.
Parei de numerar a sua ausência.
E o anoitecer afora será só eu.
E mais ninguém.




(T.H. Melo. Sinestesia.)

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