Um dia você foi segunda-feira -um baque para minha velha comodidade. Foi tão repentina, tão invasiva a sua chegada, que nem tive tempo de preparar a alma. Senti-me na adrenalina de pisar em um campo minado. Confesso, de antemão, que na ansiedade quis pular para domingo à tarde.
Depois se tornou uma terça, um pouco mais confortável, estava entrando no teu ritmo, na tua risada. Memorizei os teus trejeitos, buscando intimidade.
Quando você pulou para uma quarta, me vi numa corda bamba. Eu estava bem ali no meio. Entre o desconhecido e o estável.
Quando quinta, já era tua. Nem me lembrava da hesitação de segunda. Já tinha ouvido teus discos, anotado teus medos, costurado a tua caligrafia no meu armário. O tempo parecia correr tão rápido.
Metamorfoseou para uma sexta. Éramos festa. Meus tropeços eram festas, nossas dores eram festas, nossos defeitos dançavam a noite inteira, seus olhos brilhavam a cada pestanejar. As borboletas escondidas em algum lugar da barriga foliavam ao som de qualquer rock inglês.
Então, quando teu rosto desatou um sábado, veio a ressaca. Pensando bem, você tinha medos exagerados, falava baixo mesmo quando estava brava -quando falava- escrevia num tom clássico, que etiqueta encomendada.
Senti falta de segunda, aquela mesmo, que outrora gostaria de ter saltado.
Não sei dizer sobre o teu eu-domingo, mas o meu foi o mesmo de quando você não estava: café, filme e planos que são semanalmente frustrados. E por mais que tentasse enganar o relógio -lendo revistas, pintando as unhas, fumando um cigarro- o tempo estava paralisado. E no meio desse vazio, que é meio tédio, meio ansiedade, acabei rodando uma velha fita imaginária. Percebi que sentia sua falta, mas desde segunda desconfiei que não caberia no teu calendário.
(T.H. Melo. Sinestesia.)

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Puisi"Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando..." -Clarice Lispector