Encobrindo a dor

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O vento frio da noite me pega desprevenida. Esfrego minhas mãos incansavelmente em meus braços à procura de me esquentar enquanto meus saltos apertam meus dedos e fazem um barulho irritante na calçada.

Não há ninguém na rua. Simplesmente ninguém. E não sei se isso é uma boa coisa ou não. Meu cérebro ainda não parou para decidir.

Enquanto vou andando, meio desengonçada pela rua, penso se as chaves da minha casa ainda estão na minha bolsa. Olho no relógio e já são duas e trinta e cinco. Não devia ter ficado nessa boate tanto tempo...

- Ai, - eu tropeço num pequeno buraco e meu salto quebra. – Não acredito que eu fiz isso! – Reclamo e pego o salto, agora quebrado, nas mãos. – Era meu único salto, droga!

Bufando, ando mais três quarteirões até a casa da minha tia com meu salto na mão, a maquiagem borrada e muito frio. Felizmente as chaves estavam na minha bolsa quando cheguei à porta. Enfiei a chave cuidadosamente e a girei lentamente andando na ponta dos pés, mas uma figura escura estava sentada na cadeira de balanço assistindo TV sem se importar com o horário. Minha tia, Genevive, estava vestida com uma camisola branca longa de babados, última moda, ela dizia. E me olhava com uma expressão vazia, de cima a baixo que me fez querer cobrir minhas pernas e barriga a mostra.

Ela sempre fazia isso. Me olhava, como se estivesse medindo minhas ações, porém nunca falava nada. Apenas ficava lá, em silêncio.

- Eu... vou subir – eu falo e ela apenas assente com a cabeça, dando de ombros. Olha para a TV e depois para mim de novo. Sem obter nenhuma resposta, eu corro para o meu quarto às pressas.

Largo minha bolsa em qualquer lugar e me jogo na cama. O cansaço da noite invade o meu corpo e mesmo com o cheiro de cigarro e fumo adormeço. E como sempre, acabo sonhando com a mesma coisa. Nunca muda.

Estava eu, numa manhã ensolarada sorrindo e comendo com minha família e reclamando do meu curso, quando meu pai sorri para mim e fala que decidiu fazer uma viagem com a minha mãe.

- Uma segunda lua de mel - conta ele.

- Jeff! – Minha mãe cora tanto que parece mais vermelha que o tomate. Faço careta, mas sorrio logo.

- Genna, sua filha já tem 22 anos, ela já tem idade para saber que...

- Não dê ouvidos ao seu pai, o que importa é que vamos nesse avião – Ela aponta para a TV e eu, sem entender, acabo olhando o noticiário que mostra um acidente de avião. Onde não tem sobreviventes.

Olho de novo para a eles e eles não estão mais lá. Me levanto, gritando e correndo quando os repórteres estão tentando arrombar a porta de casa. Caminho até a porta e mais de vinte jornalistas estão na minha casa.

- Com licença, moça, pode nos dar uma entrevista? – Eles gritam e tiram milhares de fotos.

- Como está se sentindo? Pode falar com a gente por um segundo? – Um deles grita. Dou um passo para trás, com a mão na cabeça.

- Vocês eram muito próximos? E agora? O que você fará sozinha? –Um deles se aproxima.

- Saiam! – Eu grito dando um passo para trás – Saiam agora da minha casa!

E como sempre, acordo num susto, suada e tremendo. Ainda com as mesmas roupas de ontem e com a maquiagem toda borrada.

- Cadê meu celular? – Murmuro comigo mesma. – Ah, achei.

Já havia algumas ligações de uns amigos e algumas chamadas me perguntando onde estava que saí da festa tão cedo. Ignoro as mensagens e corro direto para o banheiro. Coloco para fora todas as bebidas que tomei ontem, reclamando e prometendo que nunca mais iria misturar tantas bebidas assim.

Lembranças de AlgoOnde histórias criam vida. Descubra agora