Ele

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Quando, por fim, cheguei em casa, pude deitar e chorar ao lembrar de tudo o que rolou ontem à noite. Tudo o que eu achava que teria, se desfez numa noite. Claro que era apenas um cara, mas foi como se todo o mundo se desmoronasse ali mesmo. Por que eu estava colocando todas as minhas expectativas num bando de idiotas sem convicção nenhuma. Eu sentia raiva, mas não de Kyle ou de sua turma. Eu sentia raiva de mim mesma por fazer aquilo. Por me permitir sentir aquilo. Eu era muito estúpida.

- Vai querer comer alguma coisa? – minha tia apareceu no meu quarto. Eu apenas enfiei minha cabeça nos travesseiros e disse um não abafado. Não queria ver ninguém pelas próximas semanas. Estava muito envergonhada.

Passou-se alguns segundos, quando eu pensei que ela havia saído, mas ela abriu mais um pouco a porta.

- Você deve avisar quando for dormir da casa dos seus amigos – ela fala após um tempo – não me importo disso, mas deve avisar antes. Você dormiu na casa daquele homem?

- Não, - eu me sento e afasto meu cabelo do rosto – nem me lembra dele. Kyle é um imbecil completo.

- Não me surpreende nenhum pouco – ela fala e dá de ombros – você costumava ser mais esperta.

- Sim, costumava – eu falo rispidamente com ela – antes também eu costumava ter meus pais e agora não tenho mais. E aí?

Minha tia não diz nada, apenas fecha a porta. Eu caio de novo na cama e fecho os olhos. Grunho, balançando as pernas para o alto. Não queria ter sido grossa com ela. Mas é que não me aguentei.

O dia se passou lento, não havia nada para fazer e nem com quem conversar. Resolvi passar um tempo assistindo TV, porém também não havia nada de interessante nela. Apenas programas de reality shows estúpidos. Resolvi limpar a casa enquanto minha tia não estava. Prendi meu cabelo no alto, arregacei as mangas imaginárias da minha blusa e partir para a guerra. Horas depois estava exausta, querendo não ter tido essa brilhante ideia.

Me deitei na cama e bati meus pés em alguma coisa que fez um barulho no chão e caiu. Me sentei e peguei a pasta que havia caído. Nela continha alguns documentos meus, inclusive minha inscrição da faculdade de Designer Gráfico. Automaticamente me lembro de todos os sonhos que tive ao planejar esse curSo e como eles foram para o ralo quando tudo aconteceu.

Jogo meus documentos em alguma parte da minha escrivaninha e rumo para o banheiro. Já é noite quando acordo com o barulho da minha tia batendo em algo na cozinha. Ela está murmurando sobre algo quando desço. O cheiro do café me desperta.

- Por que a senhora está fazendo café uma hora dessas? - pergunto a ela ao entrar na cozinha. Ela está com um vestido amarelo até o joelho de babados.

- Não posso dormir enquanto a novela não acabar – ela diz – tem torradas e geleia de amendoim – ela diz quando sai carregando uma caneca fumegante de café.

- Tá bom – sento e preparo uma torrada, vendo o que tem na geladeira para beber. Suco? Soda? Apenas suco de laranja.

Automaticamente me lembro de Paris e o resto do pessoal. Será que eles haviam conseguido mais mantimentos? Eu deveria ir lá no mercadinho deixar alguns para eles depois.

- Tia, - fui até onde ela estava assistindo sua novela – a filha do dono do mercadinho está coletando mantimentos para doação. A senhora se importaria em dar alguns?

- Claro, claro - ela não tira os olhos da TV – eles fazem isso todo ano. Não me importo.

- Oh, tudo bem – eu falo indo para o quarto. Deito na minha cama pegando meu celular e excluindo as poucas fotos que tenho com Kyle. São poucas, mas dói pensar que ele me via apenas como mais uma garota. – Idiota! – grito mais uma vez antes de colocar meus fones e pegar no sono.

No outro dia acordo com pessoas conversando e gritando perto da minha janela. Murmurando algo sobre os vizinhos não terem respeito, me dou conta de que meu vizinho nunca fez isso. Vou até a janela e vejo Paris, Levi, Jude e Fabien estava na calçada em frente ao portão do meu vizinho silencioso.

- O que estão fazendo aí? – eu pergunto a eles. Fabien dá um pulo e olha na direção da minha voz. Seus olhos se arregalam e depois relaxam. Paris grita meu nome e acena para mim, assim como os outros.

- Avery! Desça, rápido! – Paris grita e Levi coloca a mão na boca dela e indica a casa a frente. O que eles estão fazendo?

Ponho a primeira roupa que vejo, coloco meu cabelo para cima em um coque e escovo os dentes. Desço correndo vendo que minha tia não está em casa. Tranco a porta e vou até o portão onde eles estão murmurando entre si.

- Avery! – Paris corre e me abraça – Como você está? Está tudo bem? Chegou bem em casa? Levi não tem costume de andar na minha bicicleta.

- Até parece que eu teria problemas em andar nessa sua bomba – Levi a cutuca e ela o ignora.

- Estou bem, mas por que vocês estão aqui? – eu pergunto a eles olhando para o portão do meu vizinho – Ele não costuma receber visitas.

- Eu percebi – Fabien engole – Por acaso a polícia já veio até aqui? Você, alguma vez, viu um movimento suspeito?

- Hmm – me pego pensando – não, nunca. Por que? – ele olha para os lados.

- Já te falei, Fabien – Paris diz apontando para o portão – Não devemos acreditar em tudo o que as pessoas dizem.

- Ahh – eu lembro do que eles estão falando – vocês estão falando do cara que matou a família? – antes que eu pudesse falar mais, Fabien coloca a mão na minha boca.

- Não fale mais nada! Ele pode estar ouvindo tudo com uma foice na mão – ele diz – Onde eu me enfiei? Meu tio devia ter dito que era ele!

- Se ele é amigo do seu tio, você não deve ter medo – Jude fala cruzando os braços.

- Então você poderia entrar primeiro – Fabien diz a ela – senhorita-não-tenho-medo.

- Seja homem, Fabien! – Jude fala para ele.

- Vá se converter, Jude! – e os dois começam a brigar como se tivessem dez anos de idade. Bastante maduros para eles. Sem falar no barulho que eles estavam fazendo. De repente, só vejo o portão se abrir e o vejo pela primeira vez.

Ele é alto e dou um passo para trás quando vejo sua carranca. Logo vejo se ele carrega uma foice mesmo. Minha vontade é de ir embora, afinal nem era amiga deles. Não podia arriscar meu pescoço por causa deles que nem conheço, certo? E ele estava com uma cara de quem estava prestes a cometer assassinato. A cara de Fabien dava para fazer um perfeito meme, estava entre o choque e o medo.

- Vocês vão ficar aí parados na calçada o dia todo? – ele ruge como uma fera selvagem – entre e calem a boca!

- Gostei – Levi fala, o primeiro que se mexe e o segue – simpático, ele.

Os outros seguiram ele em silêncio, a mochila ainda oscilando na mão de Fabien. Não sei como ele não fugiu e saiu correndo. Quando todos estavam no caminho, Paris olha para trás e me chama. Balanço a cabeça com força. Estava meio dormindo ainda e aquele assunto não era da minha conta.

Mas ela me puxa mesmo assim.

Não sei por que, mas vou.

Algo me empurrou pra lá.




 Os que confiam no Senhor são como o monte Sião, que não se pode abalar, mas permanece para sempre - Salmos 125:1

Lembranças de AlgoOnde histórias criam vida. Descubra agora