"Felicidade
Não se consegue, se busca
É eterna procura dos que tentam"
A voz era doce e soprava ao vento à tarde daquele domingo, em que a feira hippie se encontrava por toda a extensão da praça. Como música de fundo, a voz, que não podia ver, era, por fim, ouvida por todos que passavam, e era admirada pela beleza de seu tom e pelo tom da beleza de sua dona.
Edith, mesmo sem tocar com seus olhos, conseguia enxergar com o tato as pessoas ao seu redor, vendo-a tocar seu violão e cantar Chão de Giz, como se fosse uma canção inédita, assim como inédito ficava tudo o que ela cantava.
Sofia, que passeava pela feira hippie, não pôde deixar de parar e admirar o trabalho da jovem cantora deficiente visual. Sua voz, evidentemente, era ímpar e, com certeza, a sua história deveria render uma boa matéria de jornal. Mas não foi em furo jornalístico que Sofia pensou. De fato, ela teve uma outra ideia, que lhe ocorreu logo ao término da canção, com os aplausos.
⇀Oi, com licença...
A jovem cantora, sentada em seu banquinho de improviso, olhou para o alto, encerrando seu sorriso decorrente dos aplausos.
⇀Alguém falou comigo?
⇀Sim... Eh... ⇀começou Sofia a dizer, ainda muito hesitante, sem saber por onde começar. ⇀Você tem uma voz incrível. Parabéns.
Edith voltou, então, a sorrir.
⇀Obrigada.
⇀Mas não é só isso que eu queria falar...
Edith franziu as sobrancelhas.
⇀Pois não.
⇀Primeiramente, deixa eu me apresentar. Meu nome é Sofia. Eu sou jornalista e me mudei, há alguns dias, para o Rio de Janeiro.
⇀Hummm, que legal. Seja bem-vinda, Sofia ⇀saldou Edith, fazendo menção de querer começar a tirar uma outra música de seu violão.
⇀Eu tenho uma proposta pra você.
⇀Uma proposta? ⇀ Indagou, franzindo as sobrancelhas.⇀ Que proposta é essa?
⇀Eu queria que você transformasse alguns poemas em música...
* * *
Alma subiu as escadas do prédio até o referido andar onde Violeta, sua paciente, deu como morada desde que começara a frequentar seu consultório até o momento em que desapareceu das consultas.
Batendo, insistentemente, não obteve resposta alguma de dentro do apartamento. E, ao olhar para a porta do apartamento do lado, ela se lembrou que, pelas referências dadas por Violeta no divã, aquele seria o lugar onde o Poeta moraria. Eles eram vizinhos.
A vontade de bater, imediatamente, à sua porta foi maior do que a de continuar insistindo em bater à porta de Violeta, pois Alma, definitivamente, sem tentar enganar a si mesma, já admitia para si o verdadeiro motivo de estar ali, o qual estava longe de ser a procura por Violeta. Foi quando que, repentinamente, Alma ouviu o barulho nas escadas. Eram vozes. Mais de uma pessoa, agora, estava subindo ao andar em que Alma se encontrava.
Aos poucos, as vozes ficavam cada vez mais fortes, embora houvesse uma certa demora para que as portadoras das vozes emergissem do hall das escadas, por onde pareciam estar fazendo uma lenta escalada rumo ao sétimo andar.
Foi quando, enfim, as duas mulheres emergiram no corredor. Surpreendentemente, uma delas, a mais bonita e mais jovem, era cega. E carregava consigo um violão. Mas a surpresa mesmo não seria essa...
Para o espanto de Alma, as duas se dirigiram ao apartamento que, supostamente, seria do Poeta de Violeta, seu vizinho e amante.
Ao que Sofia sacou seu molho de chaves, Alma interceptou-a de súbito.
⇀Ah... desculpe, com licença. É aí que mora o Poeta?
Sofia espantou-se com a pergunta, arregalando seus olhos, de imediato, sem acreditar na pergunta. Finalmente, alguém que o conhece!
⇀Que surpresa você me perguntar isso, pois desde que cheguei para morar nesse apartamento é que estou curiosa para saber mais sobre esse antigo morador...
⇀Antigo morador? ⇀Interrompeu-a Alma.
⇀Sim, ele não mora mais aqui. Sou eu que estou morando agora... Mas, me diz uma coisa, vocês são amigos...?
Alma murchou.
⇀Na verdade, não. É que aconteceu algo um pouco incomum com uma amiga, que é vizinha dele. Então, eu queria saber se ele sabe algo dela, pois ela desapareceu.
Instantaneamente, Sofia percebeu que havia algo estranho naquela história. Contudo, ao mesmo tempo, ficou instigada a averiguar os fatos e, em poucos segundos, começou a fantasiar um certo vislumbre sobre o sucesso de uma história misteriosa que lhe venderia o nome. Mas não.
Sofia acordou do devaneio.
⇀Quer tomar um café com a gente?
Ela queria ganhar tempo.
* * *
Maria das Dores passava as roupas do marido e da filha, e suas próprias roupas também, já que o amarrotado de sua face era irremediável.
De repente, sua filha chegou na sala, sentou-se à sua frente e, olhando em sua face, com os olhos cheio de lágrimas, disse:
⇀Mãe, to grávida.
Maria pousou o ferro sobre o suporte da tábua.
⇀O que você disse?
⇀É isso, mãe. Eu to grávida.
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Violetas Velhas
RomanceQuatro mulheres se conhecem em torno do espectro de um poeta desaparecido. Ao investigarem seu paradeiro, ele acaba se fazendo presente através de suas poesias que, musicadas, envolvem as quatro numa paixão platônica e de busca. No fundo, todas proc...