Capítulo 1 - "Não Adentre a boa noite apenas com Ternura."

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O sol tristemente se escondia entre as nuvens naquela fria manhã outonal. Levantei-me e fiz o que sempre fazia, rotineiramente. Troquei de roupas e lentamente desci para tomar o café da manhã. Ao descer, percebi como era estranhamente familiar o ranger das velhas escadas do casarão do meu avô.

Sempre fui uma criança solitária, no entanto, as poucas amizades que tive se constituíam, a maior parte, dos filhos das empregadas do casarão, e outras quatro ou cinco crianças do colégio onde estudara desde os cinco anos de idade. Mas lentamente eles começaram a partir, alguns para trabalhar nas fazendas próximas, e outros para estudar na capital. E por mais estranho que aquilo pudesse parecer, Dante Stich Barros, meu melhor e único amigo, escolhera permanecer no lugarejo.

No dia 18 de outubro, lembro-me bem agora, eu estava com 12 anos de idade quando o conheci, um garoto alto demais para quem tinha apenas 14 anos de idade. Dono dos olhos castanhos e cabelos negros como a noite, ele era bem-humorado e de uma sagacidade incrível, um ser humano apaixonante, diga-se de passagem. Ele cheirava a erva-doce e camomila. Mas entre tantos entretantos, haviam coisas em Dante que para mim eram extremos opostos, irritavam demais e ao mesmo tempo eram apaixonantes demais. Nos conhecemos em uma tarde de verão, ele caminhava pelo parque que eu costumava frequentar. A leveza do seu andar dava a ligeira impressão de que ele flutuava bem ali em minha frente. Logo notei que ele sempre carregava consigo um pequeno caderninho e uma velha máquina fotográfica. Pela primeira vez em muito tempo parei para prestar atenção no que ocorria naquele velho e antigo lugar. Foi então que o vi, vindo em minha direção. Ele atravessou a ponte do lago, onde eu estava, e sentou-se no segundo banco, próximo aos lírios, como se tragasse tudo ao seu redor, tudo para ele, tudo era ele. Naquele instante de segundo, ele me olhara e sorrira, como quem não quer nada. Talvez, ele houvesse notado que eu estava tentando decifra-lo, seus olhos pendiam-se e perdiam-se nele mesmo. Obviamente me vi aprisionada neles, e por mais que tentasse ignora-lo por completo, chega um momento em que claramente, o amor nos perturba e nos persegui até que cedamos completamente a ele. Não houve nenhum tipo de crime, a não ser que naquela hora, instante, minuto e segundo, instantaneamente naquele momento, eu soube, ele me roubou de mim.

Então com o nosso convívio diário, e eu, sempre frequentando a sua casa, me apaixonei incondicional, completa e perdidamente por ele. Aos 16 anos começamos a namorar, e daquele dia em diante, eu já não saberia mais viver sem ele, o amor de toda uma vida, a minha vida.

Durante todo o caminho para a velha faculdade, pouquíssimas vezes, trocávamos algumas poucas palavras. Dante sempre dizia o quanto eu parecia estranhamente distante, nostálgica e perdida em meus devaneios, durante todas as manhãs em que caminhávamos juntos e, dificilmente, haviam dias em que eu não estivesse assim, mas logo tratei de dissipar tudo aquilo de minha mente e tentei prestar um pouco mais de atenção nele, que resmungara alguma coisa, quase inaudível, ao meu lado.

 – ... e é o local ideal, mas gostaria primeiramente de saber a sua opinião sobre esse assunto, e então, o que me dizes? Seria uma boa ideia? – Dante me olhara com uma certa languidez nos olhos. E eu não sabia o que dizer, já que não ouvira o bastante para poder opinar sobre o assunto.

–É ... de fato, o local é o ideal, não me oponho a isso... – Dante erguera as sobrancelhas, surpreso, ele rio.

–Tenho certeza que sim. - Dei de ombros, ainda tentando entender sobre o que ele falava.

De repente o vento gelado soprou com mais força, e então senti meu coração pular dentro do peito. Nunca entendi o porquê, tão estranhamente isso me acontecia, às vezes pensava no que Beth dizia sobre ser algum "sinal divino", mas não me importava tanto assim com tudo aquilo para dar ouvidos as superstições dela.

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