이십삼

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Aquele dia Chaeyoung não foi a escola. Assim que saiu de casa, se viu seguindo um caminho diferente.
Estava impaciente quando tocou a campainha da casa de Mina e mais ainda quando ela abriu a porta, uma expressão nada amigável em seu rosto quando ela descobriu quem era. Novamente, sem que Chaeyoung precisasse dizer nada.

-O que faz aqui? - Mina questionou.
-Vim falar com você - respondeu calmamente.
-Não devia estar na escola? - a lembrou.
-Eu matei aula - deu de ombros - se você pode desistir das suas aulas, eu também posso desistir das minhas.

Antes que Mina tivesse a chance de demonstrar sua descrença, Chaeyoung já estava entrando na casa e se sentando no sofá sem ser convidada. Mina fechou a porta e caminhou até ela, sem entender o que estava havendo. Ela realmente não desistia nunca.

-O que pensa que está fazendo? - Mina exigiu saber.
-Vim aqui falar com você e não vou embora até te convencer a voltar pras aulas - disse.
-Bom, está perdendo seu tempo - ela garantiu.
-Parece que vou ficar aqui muito tempo então - sorriu.
- Chaeyoung, isso não tem graça - Mina fechou a cara.
-Não é piada - garantiu.

Mina cruzou os braços com impaciência. Ela queria poder ver o rosto de Chaeyoung. Talvez se pudesse olhar nos olhos e dizer que queria que ela fosse embora, ai talvez ela acreditasse. Mas então se lembrou, que se ela pudesse ver, não precisaria mandá-la embora, pois elas seriam iguais.

-Olha, quem decide o que faço ou não da minha vida, sou eu - Mina disse - você não tem mais nada a ver com isso.
-Bom, como sua amiga, eu tenho que discordar - Chaeyoung se levantou, ficando cara a cara com ela - os amigos se importam e se preocupam um com o outro, e geralmente tentam impedir que façam uma besteira.
-E se eu não quiser que você seja mais minha amiga? - desafiou.
-Você pode terminar com o seu namorado - Chaeyoung garantiu - mas não pode simplesmente terminar uma amizade. Não pode me impedir de me preocupar com você.
-Não há motivo pra preocupação - disse irritada - eu estou bem, nunca estive melhor.
-É mentira, eu conheço você - Chaeyoung afirmou.
-Não - discordou - você pensa que conhece.
-Mina... - Chaeyoung segurou os braços dela.

Myoui tentou se esquivar do toque dela, mas não conseguiu. Ela a segurou com força pelos braços, mas não pra machucar, apenas pra que ela não fugisse e lhe ouvisse.

-Sei que ganhar aquela bolsa de estudos era muito importante pra você. Sei que foi difícil perder, mas não pode desistir de tudo por causa disso. Não pode deixar que uma perda te desanime - disse.
-Uma? - Myoui sorriu de lado, deixando uma lágrima cair - não foi uma Chaeyoung, foram quatro. Quatro vezes eu tentei e nas quatro eu perdi porque sou cega.
-Aqueles jurados eram preconceituosos, não pode pensar que todos são assim. Sei que em algum lugar, tem alguém que vai reconhecer seu talento.
-Onde Chae? - ela questionou - quando? Eu não posso mais fazer isso. Estou tão cansada de sempre quebrar a cara, de me sentir tão inútil.
-Você não é inútil - Chaeyoung acariciou o rosto dela - você ajuda aquelas crianças na instituição, da pra elas um pouco de esperança, da carinho. Você é tão boa com as pessoas e as encanta com sua dança. Você é especial.
-E de que adianta ser especial? - ela limpou as lágrimas - ninguém da valor a isso, ninguém se importa.
-Eu me importo - garantiu.

Mina suspirou. Gostava de saber que Chaeyoung se importava tanto com ela, gostava de saber que ela a amava, mas já teve muitas desilusões na vida por culpa da cegueira, não queria que ela fosse outra delas. Preferia apenas se afastar dela e guardar os bons momentos que tiveram juntas.

-O balé sempre foi tudo pra mim - sussurrou - mas agora, parando pra pensar, estive todo esse tempo perdendo o meu tempo.
-Não foi perda de tempo.
-Foi sim, Chaeyoung - ela afirmou - dançar não leva ninguém a lugar algum.
-Mas é o que você adora fazer - Chaeyoung a lembrou - dançar te deixa tão feliz.
-Costumava deixar - ela sorriu em meio à lágrimas - agora é só mais uma lembrança do quanto sou incapaz.
-Para com isso Mina - Chaeyoung a sacudiu levemente - para de ficar se menosprezando. Isso é ridículo. Você não pode desistir do balé.
-E por que não? - ela questionou - a decisão é minha e não sua.
-Porque você não pode simplesmente desistir da sua vida, mesmo querendo - Chaeyoung sussurrou - é por isso que ainda não desisti de você.

Mina fitou a escuridão tristemente. Algo lhe embrulhando o estômago, lhe impedindo de falar. Como podia esquecê-la desse jeito? Como ela sabia exatamente o que dizer pra fazê-la sentir-se tão bem?
Mina se desmanchou em lágrimas ali, na frente dela, sem conseguir se conter. Chaeyoung a abraçou com força, querendo que aquilo diminuísse sua dor. Ela só queria que Mina parasse de sofrer. Chaeyoung seria capaz de abrir mão de tudo por ela. Lhe daria seus olhos, sua vida. Qualquer coisa pra não vê-la chorar mais.

-Eu não aguento mais - Mina disse em meio aos soluços.
-Shh... Vai ficar tudo bem - Chaeyoung sussurrou acariciando os cabelos dela.
-Eu só queria ser normal.
-Mas você é normal, Mina - disse com convicção - ninguém é melhor que você, não pense assim.

Bem que ela queria acreditar nisso, mas era difícil.
Mina passou alguns minutos chorando abraçada a Chaeyoung, deixando que ela a conforta-se. O abraço dela era melhor que qualquer remédio. Era tão injusto.

-Está melhor? - perguntou quando o choro cessou.
-Sim - ela disse baixinho, ainda abraçada a ela - obrigada.
-De nada, baby - sorriu.
- Chaeyoung - Mina se afastou um pouco dela - isso não muda nada entre nós duas, ainda somos só amigas.

Primeiro Chaeyoung ficou decepcionada, mas depois ela relaxou. Ia reconquistar a confiança de Mina aos poucos, ia mostrar a ela que sua cegueira não importava e que ela não precisava ver pra fazê-la feliz, ela tinha paciência.

-Não se preocupe, Pinguim - disse - só não quero mais te ver chorar.
-Eu... Desculpa - ela fez careta - eu não consigo, Chaeyoung. Eu amo você, mas eu não posso.
-Eu vou provar pra você - sussurrou - vou provar o quanto você é importante e vou fazer você entender que não é preciso ver pra ser feliz.
-É fácil pra você falar - fechou os olhos.
-Você pensa que sim - Chaeyoung disse - mas foi você que me ensinou isso. Aquele dia no instituto com a Hinata e o Mattew, as coisas que me mostrou. Às vezes acho que eles são mais felizes do que eu.
-Como pode dizer isso?
-As pessoas sempre se aproximaram de mim pelo meu dinheiro, minha popularidade, minha beleza - deu de ombros - acho que fora a Tzuyu e a Nayeon, as amizades que tive nunca foram verdadeiras. Mas com você foi diferente porque você não podia me ver, só podia ouvir meu jeito grosso e idiota de ser e mesmo assim gostou de mim. Isso que é felicidade, Myoui. Amigos de verdade, pessoas que te amam pelo que você é por dentro e não por fora. Você tem tudo isso. Tem gente que se importa, tem talento. Sei que é ruim e doloroso não poder apreciar a beleza das pessoas, mas isso não faz de você alguém ruim, alguém com menos valor, só te torna mais incrível, única e especial.

Talvez fosse verdade o que Chaeyoung acabou de dizer. Talvez ela estivesse reclamando sem motivos. Afinal, o importante era que ela estava viva, que tinha pessoas ao seu lado que a amavam. Mas encarando á escuridão todo dia, era difícil pensar desse jeito. Ela podia imaginar como seria cada vez mais doloroso não poder olhar pra Chaeyoung. E se um dia casassem? Se tivessem filhos? Nunca poder olhar no rosto deles, era tão ruim. Às vezes parecia mais fácil enfrentar sozinha, sem dividir a dor com ninguém.

-Eu quero pensar igual a você, quero mesmo - afirmou - mas é tão difícil.
-Eu só quero ajudar. Me deixa te ajudar, Mina - Chaeyoung implorou.

Mina apenas a abraçou de novo. Podia ser mais fácil enfrentar sozinha, mas ela não podia fazer isso. Precisava de um amigo, alguém com quem desabafar, e Chaeyoung tinha razão, ela não podia desistir da sua vida.
Havia duas coisas sem as quais pra ela era difícil viver: o balé e Chaeyoung; mas ela aprenderia a viver sem uma delas.

Precisava aprender pra não se magoar mais.

A Bailarina • Adaptação MiChaeng •Onde histórias criam vida. Descubra agora