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Foi com surpresa que Marcos abriu a janela da sala de sua casa e viu um enorme caminhão de mudança parado do outro lado da rua. Homens carregavam caixas para dentro da residência vizinha a sua, e um homem, em torno dos seus quarenta anos, lhes dava ordens sobre onde colocar cada coisa.
    Era manhã de vinte de outubro, algumas semanas antes do celebrado dia das bruxas, e a pequena cidade onde morava já dava sinais de se preparar para as festividades: decorações de bruxas e monstros podiam ser vistas por todos os cantos, doces eram vendidos nos mercados e teias de aranha eram colocadas nas fachadas das casas do seu bairro.
    — Opa, bom dia! – gritou Marcos da sacada, caminhando com uma xícara de café fumegante em direção ao futuro vizinho. – Finalmente alguém resolveu alugar essa velha casa! É uma prazer conhecê-lo, pode me chamar de Marcos, moro na casa aqui da frente.
    — É, como pode ver, tem bastante coisa para trazer para dentro.
    — Precisa de ajuda para arrumar?
    — Não será preciso, eu e minha esposa faremos isso. Meu nome é César, um prazer em conhecer.
    — Ah então é casado? – perguntou Marcos, olhando de soslaio a mão do homem e vendo o anel dourado simples no anelar. Ele não tinha visto nenhuma mulher por perto, mas às vezes ela poderia estar no mercado da cidade ou ido dar uma volta enquanto esperava o caminhão de mudança chegar.
    — Não faz muito tempo. Essa é nossa primeira casa.
    — Que coisa boa! Espero que tenham boas memórias por aqui. – Marcos discretamente esticou o pescoço tentando ver se tinha um vislumbre da tal esposa, mas ninguém veio cumprimentá-lo. Resignando-se, ele abriu um sorriso. – Bom, espero vê-los logo mais pela cidade. Qualquer coisa é só bater! – e se despediram.
    O rapaz foi trabalhar e seguir sua rotina, voltando para casa horas depois. Olhou para a casa vizinha, um hábito inconsciente que adquirira ao longo dos anos, e viu a silhueta de uma mulher no segundo andar da casa. Ela deve ser a tal esposa, pensou, encarando a figura por mais algum tempo antes de virar as costas e entrar.
    No dia seguinte, uma sexta, Marcos decidiu fazer a gentileza de fazer um bolo para dar aos vizinhos. O homem vivia sozinho há muitos anos, nunca se casara, e a casa onde morava era herança dos seus pais, já falecidos. Por muito tempo esperava alguém surgir e alocar ou comprar a casa da frente e agora que seu desejo se realizara queria ser o mais cortês possível.
    Bateu na porta, torcendo para que a esposa de César atendesse assim se apresentaria também, mas foi com surpresa que deu de cara com o marido.
    — Posso te ajudar? – Marcos teve que conter o desagrado.
    — Olá vizinho! Pensei que encontraria sua esposa em casa. Fiz um bolo para vocês como presente de boas-vindas, espero que gostem.
    — Ah tenho certeza que vamos gostar sim. Obrigado – replicou o outro, esticando a mão.
    — Sua esposa não se encontra em casa?
    Os olhos de César se semicerraram.
    — Por quê?
— Nada não, só curiosidade mesmo.
— Se precisa saber, Helena está doente. Não sai do quarto. – o vizinho o encarou novamente, dessa vez mais frio que de início. – Mas lhe aviso que ela não gosta de visitas. A curiosidade matou o gato, nunca ouviu o ditado?
A indireta não passou desapercebida para Marcos. Imediatamente envergonhado, ele apenas se despediu de César e voltou para casa, fechou a porta e se pôs a caminhar pela sala. Será que eu passei do limite? Refletiu ele, puxando a cortina e olhando para a segunda janela do segundo andar, onde tinha visto a silhueta da tal Helena. O que será que ela tem?

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